Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Tempo de tensões se traduziu no ressurgimento político de Angela Merkel

Confrontada com a maior crise de uma década cheia de crises, líder alemã tomou as decisões exigidas pelo momento

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Líderes fortes crescem em tempos de crise. Para os regimes autoritários do mundo, isso vem significando mais poderes emergenciais para governantes ditatoriais. No caso da Europa, isso se traduziu no ressurgimento político de Angela Merkel.

A decisão que Merkel tomou em 2015 de abrir as fronteiras da Alemanha a 1 milhão de refugiados sírios durante a crise dos refugiados no continente foi tão politicamente corajosa (e, para a sorte política de Merkel, imprudente) quanto impopular.

Depois disso a popularidade de Merkel caiu tanto na Europa quanto na Alemanha, e seu partido político, a União Democrata-Cristã (CDU), pagou o preço nas eleições.

A chanceler alemã, Angela Merkel, durante entrevista coletiva em Meseberg, na Alemanha
A chanceler alemã, Angela Merkel, durante entrevista coletiva em Meseberg, na Alemanha - Hayoung Jeon - 29.jun.20/Reuters

A CDU e seu partido irmão conseguiram angariar o maior número de votos nacionais nas eleições de 2017 por margem apertada, dando a Merkel seu quarto mandato como chanceler.

Foi o pior desempenho dos partidos na era do pós-guerra. A CDU continuou a se sair mal em eleições locais, e isso levou Merkel a anunciar que não se candidataria a um quinto mandato.

Quando a pandemia começou, Merkel estava na pior forma de sua carreira política. Em fevereiro sua protegida e sucessora preferida, a ministra alemã da Defesa Annegret Kramp-Karrenbauer, foi forçada a renunciar da liderança da CDU depois de não conseguir alinhar os membros do partido à sua volta.

Merkel viu seu legado político pendurado por um fio.

Que diferença podem fazer alguns meses –e uma pandemia global! Confrontada com a maior crise de uma década cheia de crises, Merkel fez o que faz melhor: deixou considerações políticas de lado e tomou as decisões difíceis exigidas pelo momento.

Em vez de fazer política com a pandemia, como vêm fazendo muitos outros líderes mundiais, ela optou por um enfoque baseado na ciência na resposta de seu país à Covid-19, algo facilitado por sua própria formação e carreira científica.

Em abril, 72% dos alemães aprovaram o modo como seu governo estava administrando a crise. Foi uma mudança enorme de posição em relação a um mês antes, quando cerca de 60% do país “desaprovaram o histórico de atuação do governo”.

Teria sido fácil para Merkel simplesmente cuidar da Alemanha, receber o crédito pela resposta admirável do país e se despedir da política quando seu prestígio estava em alta.

Em vez disso, aproveitou seus números ressurgentes nas pesquisas para unir-se ao presidente francês, Emmanuel Macron (defensor convicto do europeísmo, mas cuja própria reação à pandemia em seu país vem deixando muito a desejar), e à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para propor e impulsionar um fundo de recuperação comum financiado principalmente pelos países mais ricos da UE para ajudar os mais pobres.

É uma mudança radical na política europeia. Muitos dos países do Norte, incluindo a Alemanha, continuam a hesitar em vincular seu destino financeiro ao dos membros mais fracos da UE.

Em vez disso, porém, a resposta europeia nas áreas de saúde e economia vai ultrapassar a dos EUA até o final do ano (isso é especialmente surpreendente na frente financeira, em vista das medidas econômicas fortes adotadas precocemente por Washington).

Algo igualmente importante para a Europa é que este novo fundo de recuperação funciona como um potencial plano detalhado de como a UE poderá enfrentar outras crises que inevitavelmente vão surgir nos próximos anos e décadas.

Isso não significa que a crise da pandemia na Europa esteja encerrada –longe disso.

Como foi visto recentemente nos EUA, os casos de Covid-19 podem subir dramaticamente em questão de semanas. Mas isso não altera o fato de que, quando Merkel se viu diante de uma saída fácil —ser julgada pela resposta excelente de seu país à Covid, e apenas a de seu país—, ela mais uma vez optou por aproveitar sua força política na Alemanha para mergulhar na luta europeia e guiar o continente para frente.

Ainda é cedo, obviamente, para saber até que ponto a Europa terá sucesso no combate à pandemia ou se as iniciativas lançadas por Merkel vão continuar depois que ela deixar de ser a chanceler da Alemanha.

Mas não há dúvida alguma de que Merkel deu à Europa o que o continente precisava desesperadamente neste momento: liderança forte e constante e a disposição de fazer o que é preciso pelo bem maior da Europa.

Dizem que você nunca deve permanecer por tempo suficiente para virar o vilão. Merkel comprova que às vezes, se você permanecer por tempo suficiente e continuar fiel a si mesma, pode acabar voltando a ser a heroína.

Tradução de Clara Allain

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