Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Sob Biden, política interna dos EUA vai mudar mais do que relações exteriores

Democrata deve mostrar que, mesmo em uma superpotência, transformações reais começam em casa

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A montanha-russa que é a eleição de 2020 nos EUA continua a dar voltas e reviravoltas. Antes mesmo da “surpresa de outubro” que foi o diagnóstico de Covid-19 do presidente, as pesquisas de opinião não o favoreciam.

Agora, Trump está impedido de fazer campanha pessoalmente e está ficando atrás na corrida pela Presidência americana, enquanto o relógio avança sem parar.

Isso não significa que a derrota de Trump seja certa –mas quer dizer, sim, que é hora de avaliar como um potencial governo Biden pode diferir de uma segunda administração Trump. A resposta talvez nos surpreenda.

O candidato democrata Joe Biden discursa durante evento de sua campanha em Gettysburg, na Pensilvânia
O candidato democrata Joe Biden discursa durante evento de sua campanha em Gettysburg, na Pensilvânia - Kevin Lamarque/Reuters

Comecemos pelas relações exteriores, uma área na qual Trump gerou incontáveis manchetes angustiadas nos últimos anos. Ele tirou os EUA do Acordo Climático de Paris. Abandonou o pacto nuclear com o Irã.

Tirou o país da Organização Mundial de Saúde –durante uma pandemia global. Semeou dúvidas sobre o engajamento dos EUA com a Otan (a aliança militar Ocidental). Ensaiou uma aproximação com a Coreia do Norte.

Transferiu a embaixada dos EUA em Israel para Jerusalém e reconheceu a soberania israelense sobre as Colinas de Golã. Desencadeou uma guerra fria tecnológica com a China. E fez ameaças comerciais incontáveis contra aliados e adversários em igual medida.

Contudo, apesar de toda a reviravolta de curto prazo gerada por essas iniciativas, Trump não mudou fundamental a trajetória geopolítica do mundo nestes últimos quatro anos (ainda não, pelo menos).

Os EUA abandonaram Paris, a OMS e o pacto nuclear com o Irã na teoria, mas não é nada que não possa ser desfeito por um possível presidente Biden uma vez no cargo. Apesar de todos os tiroteios verbais, os EUA continuam a fazer parte da Otan. A Coreia do Norte continua a representar a mesma ameaça que antes de Trump chegar à Presidência, não obstante as cúpulas recentes.

E, sobre a China, tanto republicanos quanto democratas já estavam fortemente preocupados com sua ascensão geopolítica antes mesmo de Trump assumir o poder.

Além disso, as metas políticas que Trump mais genuinamente queria alcançar –tirar tropas americanas de zonas de guerra e estabelecer laços mais calorosos com a Rússia— enfrentaram oposição interna tão ferrenha nos EUA que pouco progresso foi feito em direção a qualquer uma delas.

Isso tudo quer dizer que, na prática, uma Presidência Biden não será tão diferente assim em relação a que veio antes em matéria de política externa. Biden levará o país de volta ao acordo de Paris, à OMS e ao pacto nuclear iraniano, mesmo que isso exija algumas negociações.

Os aliados na Otan (o que dirá os aliados tradicionais dos Estados Unidos) se sentirão reconfortados com o retorno de um presidente americano que não faz questão de desestabilizar alianças históricas.

No que diz respeito a avanços mais substantivos, porém, a equipe de Biden aceitará (sem fazer alarde do fato) os contornos do novo Oriente Médio formado sob Trump (de fato, a normalização das relações Emirados Árabes Unidos-Bahrein-Israel é um dos avanços mais subapreciados do mundo no momento).

Sob Biden, os EUA também continuarão a linha dura de Trump contra a China, dado o apoio de ambos os partidos a ela. Mesmo aqui, porém, a mudança de discurso (mesmo que não necessariamente de política) sob um possível presidente Biden se mostrará crítica –o engajamento construtivo com outros países, quer sejam aliados ou adversários, limita as possibilidades de disputas saírem do controle.

A política interna dos EUA vai mudar muito mais substancialmente no caso de uma vitória de Biden, e boa parte disso está relacionada ao perigo imediato da Covid-19.

Comparada com a equipe de Trump, uma administração Biden deve trabalhar com a comunidade científica dos EUA para conter a pandemia, em vez de ativamente trabalhar contra ela.

Dependendo de os democratas também conseguirem uma maioria no Senado, também é provável que haja muito mais estímulo vindo do governo sob uma administração Biden.

Quatro anos de Presidência Trump também resultaram em uma base democrata que se desviou muito mais para a esquerda, levando o tradicionalmente centrista Biden com ela.

Se os democratas conquistarem o controle do Senado, também podemos prever impostos muito mais altos sobre corporações e sobre o 1% mais rico, enquanto os cortes de impostos promovidos por Trump serão revogados, uma iniciativa facilitada pelos socorros da pandemia, que tornam a supervisão e a intervenção federal muito menos controversa.

Mesmo que os democratas não controlem o Senado, um presidente Biden pode promover mudanças substanciais por meio de política regulatória, especialmente na frente climática e ambiental.

É claro que emendar a política regulatória não chega exatamente a constituir “mudanças transformadoras”, e isso pode decepcionar aqueles que esperam ver um mundo totalmente novo caso Biden emerja vitorioso em 3 de novembro.

Mas uma presidência Biden nos lembrará que, mesmo no caso de uma superpotência como os Estados Unidos, as transformações políticas reais sempre começam em casa.

Tradução de Clara Allain

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