Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Governo Biden China Ásia

Biden se prova mais duro com China e mais brando com Rússia que Trump

Presidente tentará manter Moscou fora do centro das atenções para focar relacionamento contencioso com Pequim

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O senso comum nos Estados Unidos dizia que o presidente Donald Trump foi extremamente duro com a China, mas suspeitosamente mole com a Rússia. Os críticos denunciaram que sua guerra de tarifas com a China era tão agressiva que chegava a ser contraproducente. Alguns também afirmaram que Trump vivia no bolso de Vladimir Putin, por motivos desconhecidos.

Então, quando Joe Biden foi eleito presidente, os mesmos analistas previram que o novo homem reverteria essa abordagem. Biden, afirmavam eles, seria mais brando com a China para aumentar as chances de um envolvimento produtivo, enquanto atacaria Putin por ter permitido a ingerência de seu governo nas eleições nos EUA e que criminosos russos fizessem empresas americanas reféns.

O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa sobre a resposta de sua gestão à pandemia de Covid-19
O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa sobre a resposta de sua gestão à pandemia de Covid-19 - Evelyn Hockstein - 6.jul.21/Reuters

Mas quando examinamos as opções políticas feitas por seus governos, mais que a retórica política e os tuítes irados dos próprios homens, descobrimos que essa análise é exatamente ao contrário. Biden se provou muito mais duro com a China do que Trump e está sendo mais gentil com Putin e a Rússia.

Examine as provas. Depois de convidar Xi Jinping, o presidente chinês, para uma refeição e uma conversa em Mar-a-Lago, Trump seguiu o conselho de assessores para ser mais agressivo em relação à potência em ascensão. Mas seu interesse se limitou a duas áreas.

Obcecado pelo déficit comercial dos EUA com a China e as oportunidades políticas que isso criava para ele, Trump lançou uma guerra comercial. Ele também apoiou a ação administrativa agressiva contra o desenvolvimento tecnológico chinês e as ameaças à segurança nacional que isso representava, principalmente com restrições à Huawei, a campeã tecnológica da China.

Trump e sua equipe pouco disseram sobre violações aos direitos humanos dos muçulmanos que vivem na região chinesa de Xinjiang —apesar de algumas sanções de pequena monta e controles à exportação— ou sobre a democracia em Hong Kong. E pouco se esforçaram para conclamar os aliados asiáticos e europeus a participarem de uma estratégia coordenada para conter o comportamento cada vez mais agressivo da China além de suas fronteiras.

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O presidente Biden, por outro lado, vê a China como a ameaça mais perigosa e abrangente à democracia no mundo, à liberdade individual e à segurança nacional dos EUA.

Sua administração não recuou da guerra comercial de Trump. Sanções e tarifas continuam em vigor para aumentar a vantagem de negociação dos EUA com a China em outras áreas, e controles à exportação foram aumentados para reforçar a aposta.

Enquanto o primeiro encontro de Trump com Xi foi literalmente um jantar no ensolarado sul da Flórida, a equipe de Biden se reuniu com os outros membros dos países do Quadrilátero resistente à China —Japão, Índia e Austrália— antes de uma reunião de trabalho com autoridades chinesas no gélido Alasca.

O novo presidente também se esforçou para tentar alinhar a abordagem dos EUA aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim em 2022 com a União Europeia, o Reino Unido, a Austrália e o Canadá. Enquanto Trump se queixava de que a China havia roubado empregos industriais dos EUA, Biden lançou o programa "Compre Americano", destinado a incentivar companhias americanas a trazerem de volta aqueles empregos.

E, enquanto Trump acusava a China pelo que ele chamou de "vírus chinês", Biden apoiou uma investigação formal da chamada teoria do vazamento de laboratório das origens da pandemia global. Qualquer um que esperava que o democrata buscasse um envolvimento mais profundo com Pequim ficou decepcionado. A era do envolvimento terminou, disse recentemente o principal assessor de Biden para a Ásia.

As políticas de Trump e de Biden sobre a Rússia, do mesmo modo, confundiram as expectativas. Trump disse muitas coisas elogiosas sobre Vladimir Putin, mas seu governo e membros de seu Partido Republicano no Congresso adotaram uma abordagem consistentemente firme em relação ao comportamento agressivo russo.

As sanções foram reforçadas no governo Trump. O ex-presidente se opôs ao estrategicamente importante projeto de gasoduto Nord Stream 2 da Rússia. Seu governo aprovou a venda de mísseis antitanques à Ucrânia, totalmente ciente de que seu potencial alvo primário seriam tanques russos.

Trump também aumentou a presença de tropas americanas no Leste europeu, principalmente como um favor ao presidente da Polônia, Andrzej Duda, que ama Trump e odeia Putin. Foi Trump quem retirou os EUA do tratado de Armas Nucleares Intermediárias (INF) com a Rússia e se recusou a prorrogar o acordo de controle de armas Start.

Biden chamou Putin de "assassino", mas tratou a Rússia com muito mais contenção do que fez a equipe de Trump. Decidido a criar um relacionamento mais estável e previsível com Moscou para se concentrar na política externa dos EUA sobre os desafios da China, Biden rapidamente prorrogou o tratado Start e dispensou sanções à companhia russa que constrói o gasoduto Nord Stream.

Quando Putin se encontrou com Biden em Genebra, a convite deste, Biden manteve o tom cordial apesar do ataque de russos a um oleoduto americano, com pedido de resgate, e do apoio da Rússia à decisão de Belarus de basicamente sequestrar um avião europeu para prender um dissidente.

Há três lições nisso tudo. Primeiro, a retórica é uma coisa, e as ações, outra. Devemos tomar nota quando a primeira se torna um substituto para a segunda. Em segundo lugar, os presidentes e seus governos nem sempre se alinham. Trump queria melhorar as relações com a Rússia, mas virtualmente ninguém em sua equipe concordava com ele.

Finalmente, mudanças na política externa muitas vezes refletem mudanças no mundo. Está muito mais claro hoje do que quatro anos atrás que Xi pretende seguir uma política nacionalista mais assertiva. O progresso chinês em desenvolvimento tecnológico, seu assalto à democracia em Hong Kong, novas evidências de repressão em Xinjiang e sua pressão militar em Taiwan exigem uma reação mais firme de Washington e seus aliados.

Por enquanto, prevê-se que o governo Biden tentará manter a Rússia fora da primeira página para se concentrar em um relacionamento cada vez mais contencioso com a China.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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