Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Ansiedade está tomando conta do Brasil, e o risco de violência política é real

Maior democracia da América do Sul tem um ano conturbado pela frente

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“Tenho três alternativas para o meu futuro: ser preso, ser morto ou a vitória.” Foi uma declaração recente excepcionalmente incendiária do presidente Jair Bolsonaro, mesmo se tratando de um homem que gosta de falar duro. Devemos interpretar suas palavras ao pé da letra? A democracia brasileira está em risco?

No ano que vem, o Brasil terá a eleição mais conturbada do mundo. Bolsonaro vai encarar um desafio temível na figura do ex-presidente Lula, libertado da prisão e de uma condenação por corrupção em novembro de 2019. Uma pesquisa do XP/Ipespe no mês passado revelou que 54% dos brasileiros qualificam a atuação de Bolsonaro na Presidência como “má ou péssima”. Apenas 23% opinaram que seu trabalho foi “bom ou ótimo”. A pesquisa também revelou que, se as eleições fossem realizadas no dia da pesquisa, 40% dos participantes votariam em Lula, e apenas 24% escolheriam Bolsonaro.

O presidente Jair Bolsonaro durante ato na avenida Paulista
O presidente Jair Bolsonaro durante ato na avenida Paulista - Danilo Verpa - 7.set.21/Folhapress

Faltando mais de um ano para a eleição, ainda é muito cedo para descartar as chances de Bolsonaro se reeleger, mas uma série de escândalos prejudica essas chances. As investigações criminais em curso sobre a aquisição de vacinas, além da campanha do presidente para desacreditar o sistema brasileiro de voto eletrônico, puseram Bolsonaro em clima de briga. O Senado está examinando a estratégia do governo em relação ao coronavírus. A Covid já matou mais de 584 mil pessoas no país.

Bolsonaro tem um plano. Ele reivindica uma lei de reforma eleitoral que imponha cédulas de voto impressas para auditar os resultados. Não se trata de uma estratégia nova. Bolsonaro alegou fraude eleitoral após sua vitória em 2018, insistindo que deveria haver vencido sem um segundo turno.

Embora o presidente tenha usado as redes sociais ativamente para apresentar seus argumentos, não foi apresentada nenhuma evidência digna de crédito de fraude eleitoral. Bolsonaro também avisou que a eleição de 2022 “pode não acontecer” se o Congresso não sancionar seu projeto de lei de reforma eleitoral. Não existe chance de o Congresso ceder à sua vontade.

Isso soa familiar? Você deve estar pensando em Donald Trump. Os paralelos são claros. A diferença crucial é que, embora as instituições brasileiras sejam muito fortes segundo os critérios dos países em desenvolvimento, elas não têm a história de durabilidade das instituições dos Estados Unidos. O Brasil descartou sua ditadura militar apenas em 1985.

Os dois lados brasileiros estão se entrincheirando. Líderes no Congresso, incluindo alguns que integram a coalizão legislativa bolsonarista, se opõem publicamente às acusações e exigências do presidente.

O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou no mês passado que não há nada de errado no sistema atual de votação. Juízes tanto do STF (Supremo Tribunal Federal) quanto do TSE estão pressionando legisladores para se oporem à reforma eleitoral proposta pelo presidente.

Essa reação reforça as alegações de Bolsonaro de que as instituições políticas brasileiras querem vê-lo perder, mas também limita sua capacidade de manipular o resultado da eleição. Outra diferença importante em relação aos EUA: a eleição brasileira é conduzida em nível nacional, não em nível estadual. Isso faz com que os resultados no Brasil sejam mais difíceis de serem contestados por um presidente.

Por todos esses motivos, Bolsonaro não vai derrubar ou adiar a eleição. Mas existe outro receio. Mais brasileiros (46%) são a favor da reforma eleitoral proposta por Bolsonaro do que os que são contra (40%).

Mais de um terço dos brasileiros diz que o sistema eleitoral nacional tem credibilidade baixa ou zero. Trinta por cento pensam que uma eleição presidencial pode ser fraudada, e esse número certamente vai crescer à medida que as eleições se aproximam.

Também é difícil avaliar como os militares podem reagir a um resultado contestado. Bolsonaro, que se orgulha de ser um capitão reformado, conta com apoio amplo entre as Forças Armadas e nomeou vários generais como ministros em seu governo. Já testemunhamos as potenciais implicações disso quando o ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, foi acusado de pressionar o presidente da Câmara para que aprovasse a reforma eleitoral proposta por Bolsonaro. (Braga Netto rejeita a acusação, e o governo ameaçou processar um grande jornal nacional brasileiro por noticiá-la.)

É muito improvável que a liderança militar respalde uma contestação da eleição por parte de Bolsonaro no caso de ele ser derrotado, mesmo que o odiado Lula seja declarado vencedor. A preocupação é que as tropas regulares e as polícias militares estaduais possam deixar de cumprir ordens. Os governadores estaduais, em sua maioria anti-Bolsonaro, lideram essas forças, mas o presidente é muito mais popular que eles entre as tropas militares estaduais. Se as PMs acreditarem que a eleição presidencial foi “roubada”, é impossível saber como reagirão aos pedidos de ajuda do presidente. É por isso que o risco de violência política no Brasil, até mesmo de crise, vai atingir o ponto mais alto em décadas em 2022.

A democracia brasileira já sobreviveu a sua devida parcela de choques e escândalos nos últimos anos.

Durante sua campanha de 2018, Bolsonaro, uma figura que sempre atraiu extremos, foi esfaqueado quase fatalmente. Os ex-presidentes Michel Temer, Lula, Dilma Rousseff, Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Fernando Collor de Mello foram todos envolvidos no épico escândalo de corrupção política Lava Jato, que abalou a elite política nacional por anos –mas a democracia brasileira permanece intacta.

Ela sobreviverá a Bolsonaro. Mas a ansiedade política intensa está tomando conta do Brasil, e o risco de violência política é real. A maior democracia da América do Sul tem um ano conturbado pela frente.

Tradução de Clara Allain

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