Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Invasão russa da Ucrânia é improvável, mas coloca lógica preocupante da Guerra Fria em ação

Moscou não tem como arcar com o custo de sanções dos EUA e da Europa que inevitavelmente viriam a seguir

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A Rússia posicionou quase 100 mil soldados perto de sua fronteira com a Ucrânia nas últimas semanas.

Como se isso não bastasse, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse recentemente que seus serviços de segurança encontraram evidências de um complô contra seu governo com o apoio da Rússia. Afirmou também que um oligarca russo destacado está envolvido nessa conspiração.

Assim, cresce o grau de risco de sua disputa em curso com alguns dos homens mais ricos da Ucrânia, alguns dos quais teriam vínculos estreitos com Moscou.

Enquanto a Rússia dá uma prova de força, a Ucrânia busca ajuda do Ocidente. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, reuniu-se com o chanceler russo, Sergei Lavrov, para adverti-lo que uma agressão russa à Ucrânia provocaria "consequências sérias". Um relatório de inteligência dos EUA alerta que a Rússia pode estar preparando uma invasão total, e o presidente Biden vai conversar com Putin.

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, visita um campo de combate na região de Donetsk, marcada pela presença de separatistas pró-Rússia
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, visita um campo de combate na região de Donetsk, marcada pela presença de separatistas pró-Rússia - 6.dez.21/Presidência da Ucrânia via AFP

Para reforçar os avisos, os EUA teriam enviado 80 toneladas de munições à Ucrânia. Autoridades europeias expressaram temores igualmente graves. A chefe da UE, Ursula von der Leyen, acena com novas sanções contra a Rússia. A Otan está em alerta máximo. A Rússia atribui todas essas tensões ao governo ucraniano, que, segundo funcionários do Kremlin, está adotando ações ameaçadoras.

O que está acontecendo, afinal? À medida que ele e sua Presidência envelhecem, Vladimir Putin parece ser movido mais que nunca por reflexos desenvolvidos durante a Guerra Fria. Talvez ele calcule que lançar ameaças ao Ocidente possa elevar sua popularidade —pesquisa do Centro Levada, de Moscou, de outubro, revelou que a confiança pública russa em Putin caiu para 53%, o nível mais baixo em quase uma década.

Não é uma estratégia política absurda. O aumento mais nítido em sua porcentagem de aprovação foi visto após a invasão russa da Crimeia, em 2014. Mais e mais russos podem estar se cansando da liderança de Putin, mas, confrontados com ameaças do Ocidente, apoiarão o presidente, enxergando-o como a encarnação da força e do poder russos.

Ou quem sabe Putin considere que Ucrânia e Otan estão agindo com agressividade insensata perto das fronteiras da Rússia. A guerra de Zelenski aos oligarcas ucranianos apoiados pelo Kremlin enfraquece a influência russa na capital ucraniana, e é bem possível que Putin esteja avisando Zelenski para não tentar reforçar sua própria popularidade com agressões perto da região de Donbass, onde separatistas ucranianos apoiados pela Rússia criaram um impasse militar com Kiev.

Ele tem dito que o aumento recente no posicionamento de tropas russas constitui uma resposta direta não apenas a provocações de Kiev mas também a exercícios navais não anunciados da Otan no Mar Negro, não longe da Crimeia. O Kremlin também está irritado com o uso recente feito pela Ucrânia nessa região de drones fornecidos pela Turquia, que integra a Otan. Talvez Putin se sinta encorajado a agir pela alta nos preços do petróleo, que estimulou a economia russa, pelo avanço do gasoduto Nord Stream da Rússia à Europa e pela saída de Angela Merkel, sua adversária de longa data, da liderança alemã.

No entanto, apesar de todas as ameaças insinuadas, dos avisos e das manchetes assustadoras, é muito pouco provável que a Rússia lance uma guerra, invadindo a Ucrânia.

A invasão russa da Crimeia, sete anos atrás, uma resposta à turbulência política em Kiev que forçou o presidente ucraniano pró-Rússia a fugir do país, beneficiou-se muito do elemento da surpresa, uma vantagem da qual o governo de Putin nunca mais vai dispor.

Além disso, a Crimeia era a única parte da Ucrânia onde a maioria dos cidadãos eram russos étnicos, o que garantiu uma acolhida amistosa às forças russas. A região ucraniana de Donbass, que faz fronteira com a Rússia, também inclui uma grande população de russos étnicos.

Não há nenhum outro território na Ucrânia onde soldados russos serão saudados como libertadores, e o conflito congelado que opõe esses dois países levou dezenas de milhões de ucranianos a se posicionarem permanentemente contra Putin e Moscou. Assim, qualquer investida para dominar território novo na Ucrânia desencadearia uma guerra que a Rússia ganharia, especialmente porque a Otan não interviria diretamente, mas a um custo proibitivo em termos de vidas e dinheiro russos.

Some-se a isso o custo de uma ocupação de longo prazo de terras habitadas por pessoas refratariamente hostis às forças russas. A economia russa enferrujada não tem como arcar com o custo das sanções rigorosas dos EUA e da Europa que inevitavelmente viriam a seguir e se estenderiam a perder de vista.

A despeito de tudo isso, a Ucrânia, a Europa e a administração Biden não podem se dar ao luxo de baixar a guarda. Precisam continuar a assinalar que estão em alerta máximo e que qualquer ação russa hostil provocará uma resposta forte. Há uma lógica preocupante da Guerra Fria em ação. Por mais que Kiev e os governos ocidentais temam uma ação russa que possa atraí-los para um conflito penoso, o governo de Putin continua a encarar o futuro da Ucrânia como a questão central da política externa da Rússia.

Assim como Washington é hipervigilante contra esforços de outros países para dotar-se de armas nucleares, Moscou teme a entrada de mais um de seus vizinhos numa aliança militar ou política com a Europa e a América. O que se aplica a outros vizinhos da Rússia se aplica especialmente à Ucrânia, uma terra que nos últimos mil anos é um elemento fundamental da ideia russa de império.

O resultado desse medo reflexivo recíproco é que as ameaças podem tornar-se autorrealizáveis, criando um conflito que ninguém deseja. Por enquanto, a guerra permanece distante. Mas ninguém vai respirar tranquilamente enquanto Rússia, Ucrânia e a Otan não encontrarem uma maneira de recuar um passo.

Tradução de Clara Allain

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