Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Hoje não há mais como voltar atrás no caminho para uma nova Guerra Fria

Invasão da Ucrânia gerou a certeza de que Rússia e Ocidente agora estão em guerra

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A invasão russa da Ucrânia gerou incerteza tremenda para dezenas de milhões de pessoas, mas há uma coisa da qual podemos ter certeza: a Rússia e o Ocidente agora estão em guerra.

Líderes dos EUA e europeus continuarão a dizer que querem evitar um conflito militar direto entre combatentes da Otan e russos, mas as sanções econômicas severas impostas à Rússia, o fornecimento de armas sofisticadas e mortíferas aos combatentes ucranianos, mais o esforço dos EUA e da Europa para isolar o regime de Putin a mais longo prazo, tudo isso equivale a uma declaração de guerra.

O presidente russo, Vladimir Putin, visita local de construção da Agência Nacional Espacial, em Moscou
O presidente russo, Vladimir Putin, visita local de construção da Agência Nacional Espacial, em Moscou - Serguei Guneev - 27.fev.22/Kremlin/Reuters

Este é um momento de virada para o mundo. Supondo que a Otan e os russos consigam evitar um confronto militar direto —e excluindo a possibilidade de um recuo de Putin, uma hipótese cada vez mais difícil de imaginar—, a Rússia e o Ocidente agora estão diante de uma nova Guerra Fria.

Esse confronto será de muitas maneiras menos perigoso do que foi a versão do século 20, mas sob outros aspectos o risco para esses países e para toda a economia global é muito maior.

Um novo enfrentamento entre a Rússia e o Ocidente será menos perigoso porque a Rússia não é a União Soviética. O PIB da Rússia é menor que o do estado americano de Nova York, e as sanções farão sua economia, já estagnada, encolher 10% ou mais nos próximos 12 meses.

O sistema bancário do país corre o risco de entrar em colapso. Num mundo globalizado, isso é importante. A União Soviética e seus satélites do Leste Europeu eram em grande medida isoladas da pressão econômica ocidental pela falta de conexão entre seus respectivos sistemas econômicos.

Hoje a Europa está unida e firmemente (mesmo que nem sempre completamente) alinhada aos EUA, enquanto as antigas repúblicas soviéticas se esforçam para resistir à aproximação com Putin.

Além disso, a União Soviética exercia atração ideológica genuína sobre pessoas e políticos em todas as regiões do mundo. Sem qualquer ideologia em particular, a Rússia de hoje não possui aliados com quem compartilhe valores políticos. Ela tem estados clientes e dependentes.

Quando, em 2 de março, a Assembleia-Geral da ONU votou para condenar a invasão russa, apenas Belarus, Coreia do Norte, Síria e Eritreia votaram a favor da Rússia (a Venezuela está com dívidas atrasadas com a ONU e não pôde votar). Mesmo Cuba se absteve para não apoiar a prova de força de Putin.

Mas o que dizer da China? Os líderes e a mídia ocidentais vêm se preocupando com o fortalecimento dos laços entre a Rússia e a gigante emergente. Mesmo aqui, porém, as opções russas não chegam a ser ideais. Rússia e China compartilham o desejo de limitar a influência internacional dos EUA e o risco de uma abordagem europeia mais confrontadora em relação aos dois países.

Mas a Rússia é decididamente a sócia júnior nessa parceria de conveniência. A economia chinesa é dez vezes maior que a da Rússia, e, mesmo que a China tenha prazer em ajudar a sustentar a Rússia, comprando óleo, gás, metais e minerais que esta não pode mais vender ao Ocidente, Pequim sabe que será a única amiga importante de Moscou e vai querer descontos sobre todas essas commodities.

Fato mais importante é que o futuro da China depende de sua força econômica crescente, que vai depender da continuidade dos vínculos pragmáticos com EUA e UE, para proteger interesses comerciais de longo prazo. Pequim não condenará a invasão russa, mas provavelmente respeitará ao menos algumas das sanções contra a Rússia, em nome do apoio à soberania da Ucrânia e de seus próprios interesses.

Entretanto, nas décadas de 1970 e 1980, líderes dos EUA, europeus e soviéticos puderam erguer algumas barreiras de proteção que impediram muitas guerras na Ásia, na África e na América Latina de desencadearem um crescendo catastrófico na Europa. Houve, em especial, o Tratado sobre Forças Nucleares de Alcance Intermediário. Levará anos para construir nova infraestrutura diplomática e medidas de formação de confiança entre o Ocidente e a Rússia de Putin.

Enquanto isso, as armas da Guerra Fria ficaram mais perigosas. É impossível conhecer a verdadeira escala e profundidade das cibercapacidades de ambos os lados, mas sabemos que possuem armas digitais cada vez mais sofisticadas que ainda não utilizaram, incluindo algumas que podem atacar sistemas financeiros, grades elétricas e outras infraestruturas essenciais, com efeitos devastadores.

As armas cibernéticas não matarão tantas pessoas quanto uma ogiva nuclear pode dizimar, mas a probabilidade de serem empregadas como instrumentos de guerra declarada é muito maior. Elas custam menos, são mais fáceis de projetar, mais disponíveis e mais fáceis de esconder do que os armamentos pesados que lançaram sombras sobre a segunda metade do século 20.

Essas armas também possibilitam que a Rússia pratique formas de guerra da informação que não estavam ao alcance dos espiões da era soviética. As eleições de abril na França vão oferecer uma oportunidade próxima para colocar novas estratégias à prova.

As eleições parlamentares dos EUA em novembro, além do pleito presidencial de 2024 nesse país, serão alvos de mais longo prazo que serão criticamente tentadores.

Por enquanto, todos os olhos miram a Ucrânia. Tropas e artilharia russas vão levar adiante o esforço para colocar o país sob o controle do presidente Putin. Ele não está mostrando disposição alguma de recuar.

Mas milhões de ucranianos vão continuar a lutar, mesmo que soldados russos tomem conta do território inteiro de seu país, e líderes ocidentais vão continuar a apoiá-los. As sanções mais duras da história vão continuar e até aumentar. Hoje não há mais como voltar atrás no caminho para uma nova Guerra Fria.

Tradução de Clara Allain   

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