Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Política de Covid zero empurrará crescimento da China ainda mais para baixo

Assim como coronavírus, consequências econômicas e turbulência política potencial não se importam com fronteiras

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Os líderes da China têm uma história a contar. Eles dizem que o Partido Comunista lidera a nação em prol do povo chinês e que o faz com muito mais eficácia do que americanos e europeus em seus países.

As chamadas democracias ocidentais são marcadas pela ganância, arrogância e disfunção. Os americanos, que nem sequer conseguem se pôr de acordo quanto à legitimidade de seu presidente atual, querem nos dizer o que é melhor para o nosso povo. Os europeus, que ergueram sua prosperidade sobre a base da escravização de suas antigas colônias, querem nos passar sermões sobre direitos humanos.

Policial com traje de proteção faz patrulha em rua de Xangai, na China, em lockdown devido ao coronavírus
Policial com traje de proteção faz patrulha em rua de Xangai, na China, em lockdown devido ao coronavírus - Aly Song - 1º.abr.22/Reuters

Não existe melhor exemplo atual da clara superioridade do sistema político da China, argumentam os líderes chineses, que os benefícios de sua política "Covid zero", que salva vidas. Segundo as estatísticas oficiais chinesas, a Covid matou menos de 5.000 cidadãos chineses em um país de 1,4 bilhão de pessoas.

Sim, a política Covid zero impôs lockdowns e obrigou dezenas de milhões de pessoas a realizarem testes de detecção do coronavírus, mas será que essas pessoas agora estão menos "livres" que os quase 1 milhão de americanos mortos pela Covid? Os líderes americanos e europeus, dizem eles, protegem a privacidade de seus cidadãos, enquanto os líderes chineses protegem a vida dos seus.

Autoridades ocidentais apontam que os limites que a China impõe à liberdade de expressão e de informação permitem que funcionários chineses ocultem a escala real dos problemas de seu país, em parte para escapar da responsabilidade por seus próprios erros.

Elas também recordam ao mundo que a Covid apareceu na província chinesa de Hunan e que, quando médicos chineses começaram a falar publicamente dos riscos da doença, o serviço chinês de segurança pública convocou o dr. Li Wenliang e o acusou de "dar declarações falsas" e perturbar a "ordem social".

A decisão de autoridades chinesas de ocultar a verdade sobre a Covid e os perigos que o vírus representava garantiram a propagação da doença pelo mundo. Quando a morte do Dr. Li repercutiu fortemente nas redes sociais chinesas, o Estado o declarou herói.

Esse pano de fundo político é crucial para a compreensão dos trunfos políticos –e das potenciais repercussões econômicas na China e no mundo— da atual batalha da China contra a Covid-19.

A escala dessa batalha não tem precedentes históricos. As cidades de Jilin (3,6 milhões de habitantes), Tangshan (7,7 milhões), Changchun (9 milhões) e Xuzhou (9 milhões) se encontram sob lockdown. Mas é o fechamento quase total de Xangai, a capital financeira e maior cidade da China, com mais de 25 milhões de habitantes, que vem atraindo mais atenção internacional.

O número de cidadãos chineses agora infectados com a variante ômicron vem subindo. Como tão poucos chineses foram infectados, poucos desenvolveram anticorpos que possam protegê-los. E a China ainda não desenvolveu vacinas com os altos índices de sucesso das inovadoras vacinas de RNA mensageiro usadas nos Estados Unidos e na Europa. Em resposta, o governo chinês confinou mais de 50 milhões de pessoas em suas casas sem um plano eficaz para lhes prover alimentos e assistência médica para outros problemas. O lockdown em Xangai já dura mais tempo que o estado prometeu inicialmente.

A China relaxou a política de Covid zero de pequenas maneiras, mas poderia fazer muito mais. Poderia, por exemplo, autorizar a mídia estatal chinesa a informar a população que a ômicron é menos perigosa que variantes anteriores da Covid e tem menos chance de resultar na hospitalização dos infectados.

Ela poderia aceitar mais infecções e até mesmo mais mortes, para reduzir os efeitos lesivos para a saúde pública e os danos econômicos provocados pelo confinamento de números muito maiores de pessoas. Mas fazer essas coisas seria reconhecer que o governo precisa mudar de rumo e permitiria que os cidadãos questionassem a infalibilidade do julgamento de seus líderes.

Esse dilema ocorre num momento politicamente complicado. Mais tarde neste ano está previsto que o Partido Comunista chinês rompa com sua prática passada para conceder a Xi Jinping um terceiro mandato como líder supremo da nação. A economia chinesa vem desacelerando há anos, com os salários em alta enfraquecendo o modelo manufatureiro baseado em pagamentos baixos, modelo esse que criou as condições para a ascensão histórica da China da pobreza para a maior classe média do mundo.

Os danos causados pela Covid no resto do mundo também desaceleraram a economia global que alimentou a ascensão da China. A guerra da Rússia na Ucrânia gerou ainda mais incerteza econômica. Agora a política de Covid zero da própria China levou a lockdowns que vão empurrar o crescimento ainda mais para baixo. E o impacto será sentido em todo o mundo.

Trata-se de um aviso de que os argumentos sobre os méritos relativos dos sistemas políticos chinês e ocidental deixam de levar em conta um problema comum: as consequências econômicas e a turbulência política potencial, assim como a Covid, não se importam muito com fronteiras.

Tradução de Clara Allain

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