Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Inteligência artificial na China ainda está aquém do Ocidente, mas cenário pode mudar

ChatGPT decepciona usuários chineses, e empresas locais tentam preencher lacunas no setor

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Receitas culinárias, textos acadêmicos quase sempre pouco precisos e até redação de currículos. O leitor mais conectado com o mundo digital certamente deve ter visto estas e muitas outras aplicações do ChatGPT circularem internet afora nos últimos meses. Para muitos, a primeira interação real com uma inteligência artificial, a ferramenta desenvolvida pela OpenAI que explodiu em popularidade, capaz de resultados incríveis em múltiplos idiomas. Exceto o chinês.

Enquanto no Ocidente bombavam descobertas sobre possíveis aplicações do site, internautas do outro lado do mundo se deliciavam com as respostas bizarras do chat baseado em linguagem neural quando escrevendo em chinês. Os equívocos vinham de caracteres errados que mudavam completamente o sentido da resposta até informações bastante distorcidas sobre informações básicas sobre a China.

Chatbot ChatGPT responde usuário em chinês - Florence Lo - 9.fev.2023/Reuters

Não faltaram então empresas locais para surfar na onda de popularidade da empresa americana, anunciando concorrentes chineses supostamente mais eficientes. Gigante de buscas equivalente ao Google no cenário doméstico, o Baidu foi o primeiro a sair na frente, anunciando o lançamento do Ernie — em teoria treinado com mais de 100 bilhões de parâmetros em chinês desde 2019 e praticamente pronto para ser incorporado a várias ferramentas da empresa.

Na área acadêmica, a Universidade Fudan em Xangai chegou a lançar um modelo de testes batizado MOSS (uma referência ao robô do blockbuster chinês "Terra à Deriva"), embora a aplicação tenha sido tirada de ar em seguida devido ao boom no interesse de internautas ávidos para experienciar algo semelhante às maravilhas do ChatGPT.

Tantas notícias positivas fazem crer que uma possível liderança chinesa na área de inteligência artificial seja questão de tempo —mas não será bem assim.

Incentivos governamentais não faltam. Já há alguns anos, Xi Jinping tem colocado o setor de inteligência como essencial na cesta de tecnologias prioritárias na China. Em 2022, Pequim chegou até mesmo a enviar à ONU o chamado "Documento de Posição sobre o Fortalecimento da Governança Ética da Inteligência Artificial", indicando como pretende lidar com o tema na esfera diplomática ao defender que "para garantir uma inteligência artificial segura, confiável e controlável, a tecnologia precisará estar centrada no ser humano e programada para fazer o bem".

Ainda assim, o ministro de Ciência e Tecnologia chinês, Wang Zhigang, parece cauteloso com a ideia de seguir o Ocidente na empreitada. Durante entrevista concedida às margens das Duas Sessões que acontecem em Pequim, Wang pediu cautela por parte de empresas chinesas e disse acreditar que uma ferramenta como o ChatGPT ainda é algo muito difícil de se alcançar na China.

Não se trata apenas de expertise técnica, mas também de sensibilidade política. No passado, modelos de testes de linguagem natural que aprendiam com os usuários já apresentaram problemas sérios —em 2016, por exemplo, uma IA da Microsoft no Twitter se tornou nazista em menos de 24 horas ao aprender com as interações que recebia.

A alternativa passa, então, por uma alimentação da tecnologia com dados cuidadosamente vetados pelos programadores e políticos do país, o que está longe de ser tarefa simples dada as bilhões de possibilidades em uma conversa fluida da máquina com um humano. E se a IA chinesa se tornar anticomunista? E se começar a criticar líderes do partido? Os riscos são muitos altos, e a sensibilidade da cúpula chinesa, maior ainda.

É provável que acompanhemos então duas vertentes do desenvolvimento da inteligência artificial. Enquanto os EUA lideram a área de linguagem natural como o ChatGPT e o Bard, futuro concorrente desenvolvido pelo Google, a China avançada no que faz melhor: aplicabilidade. Com o apoio governamental e uma indústria que precisa apostar em inovação o tempo todo para se manter relevante em um mercado altamente competitivo, a tecnologia deve ser aplicada a setores mais maduros —já há conversas para o desenvolvimento de carros autônomos chineses com inteligência artificial, adaptação para sistemas bancários e viabilização da economia digital.

Acompanhar o impacto de um setor tão crucial para a vida humana nos próximos anos será, portanto, mais do que uma guerra de patentes: talvez a forma como se usa a inteligência artificial seja a linha divisória entre opiniões em Pequim e no Ocidente acerca de como o setor de tecnologia deve operar. Difícil qualquer previsão no momento, mas a competição promete grandes novidades com impacto mundial.

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