Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Igor Gielow

Brasil fracassa ao tratar privatização como tabu após quase três décadas

Crédito: Ricardo Borges - 9.fev.2017/Folhapress Descrição: RIO DE JANEIRO, RJ, 09.02.2017: SERVIDORES-RIO - Confronto entre manifestantes e policiais militares do Batalh„o de Choque no protesto de servidores do Rio de Janeiro em frente ‡ Alerj. O grupo È contra o pacote de ajuste fiscal do governo e a privatizaÁ„o da Cedae. (Foto: Ricardo Borges/Folhapress)ΩΩ
Servidores entram em confronto com PM em ato contra privatização da empresa de saneamento do RJ

Ah, as privatizações. Chegamos a 2018 e o tema ainda provoca pruridos e reações exacerbadas, após anos de adoção da prática até por quem mais a criticava terem dado a impressão que o Brasil havia passado desse degrau civilizatório.

Não passou, quase 30 anos após a introdução da noção no ideário público. Como pesquisa do Datafolha divulgada no fim de ano mostrou, nada menos do que sete entre cada dez brasileiros são contra privatizar estatais -só federais, são 149, da suculenta Petrobras a uma horda de zumbis inúteis.

É fácil culpar a esquerda, que sempre tira da manga discursos de "perdas de direitos" ou "venda do patrimônio nacional" quando o sapato de sua viabilidade aperta. Assim como é possível apontar o dedo para os conservadores, que não conseguiram vender corretamente a ideia e, uma vez a aplicando, muitas vezes fazem lambanças.

Privatização, ou se você for petista pode chamar de concessão, PPP, o diabo, carrega valores intrínsecos. No Brasil, claro, foi avacalhada quando governos usaram a medida para cobrir buracos de custeio ou quando a modelagem foi tão malfeita que um setor foi desagregado -pense na rede ferroviária.

Mas é inescapável o fato de que o brasileiro ser refratário ao próprio termo reflete a mansidão bovina da população em relação ao Estado. Pesquisas abundam mostrando que o brasileiro gosta mesmo é de um Grande Outro provedor na forma de políticas públicas, estatais, bancos sob controle do Planalto com crédito farto.

Concorrem contra, naturalmente, os erros e desvios supracitados. E o fato de que a essencial regulação que deveria acompanhar processos de desestatização perdeu-se em algum ponto do caminho. Capitalismo sempre esteve longe daqui e, da ditadura aos campeões nacionais do BNDES, passando pelo petrolão, usualmente não passou de uma ação entre amigos.

Isso tudo, claro, impacta a política. A clássica jaqueta que Geraldo Alckmin usou em 2006 com logos de estatais é um exemplo acabado do desespero marqueteiro ao constatar que o adversário estava ganhando pontos com a ladainha de que "vão vender a Petrobras". Dita por Lula, logo quem.

Antes vendessem, mas esse é outro ponto que demanda discussão separada sobre aspectos regulatórios, "golden shares" e afins. Algo semelhante ocorre agora com o interesse da Boeing em associar-se à Embraer para consolidar um polo produtivo do concentrado mercado aeronáutico internacional.

Uma coisa é o governo dizer, corretamente, que não pode admitir total controle estrangeiro sobre projetos estratégicos da Embraer: são vários, financiados com o seu dinheiro, em áreas tão sensíveis quanto controle de fronteiras ou submarinos nucleares. Outra é o presidente Michel Temer dizer que "no meu governo a Embraer não será vendida".

Bom, ela não é uma estatal desde 1994, ainda que a União possa vetar negócios por meio de uma "golden share" -e o caso é complexo o suficiente para obrigar atenção do Planalto a seus detalhes. Mas meu ponto aqui é o tom adotado, a bruma que envolve o tema.

Observando os sinais emitidos pelos pré-candidatos ao Planalto, não há motivo algum para ser otimista sobre o debate em 2018. É um testemunho eloquente da miséria de nossa condição.

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