Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Igor Gielow

Como na Itália, esquerda brasileira flerta com o desastre

Com Lula fora e talvez preso, há nomes pesados e 'antropofagia de anões' à vista

Se é lugar comum apontar o pântano em que tentam sobreviver as pré-candidaturas do campo conservador no cenário pós-apocalíptico deixado pela Lava Jato na política brasileira, cabe aqui uma consideração sobre a esquerda: ela está em bem pior estado.

O ex-presidente Lula e Guilherme Boulos na ocupação Povo Sem Medo, feita pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, em São Bernardo do Campo
O ex-presidente Lula, à esq., e Guilherme Boulos na ocupação Povo Sem Medo, feita pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, em São Bernardo do Campo - Bruno Santos/Folhapress

Se o exemplo da Itália na esteira da Operação Mãos Limpas já era tentador o suficiente, com a ascensão do populismo de direita de Silvio Berlusconi nos anos 1990, traçar algumas comparações com o Brasil, o caldo engrossa com o resultado eleitoral daquele país.

Como se sabe, lá tudo o que foi tentado para limpar a desgraceira dos anos do polêmico premiê não deu lá muito certo, agravado pelos ainda fortes efeitos de uma década de crise econômica. Resultado, movimentos que pareciam piada emergiram como jogadores de fato e o próprio Berlusconi voltou a um papel de enorme destaque.

No Brasil, detentor de um ecossistema ainda mais pútrido do que o italiano na política, obviamente tem uma dinâmica própria e comparações nominais são receitas fáceis e erradas —antes que alguém ache que Jair Bolsonaro é nosso Beppe Grillo. Mas certamente há algumas tendências a observar: na Itália, a esquerda foi reduzida a pó no processo; aqui, está no mesmo caminho.

Se é mais claro no panorama europeu o motivo para a debacle atual das esquerdas como um processo histórico, que pode ser tracejado até o século 19 e antes, aqui a coisa sempre foi mais avacalhada.

Coube a um líder popular tornado coronel, Lula, carregar as corruptelas locais de siglas socialistas morro acima. Agora, em seu ocaso pelos mesmos motivos éticos que afligem a centro-direita, cabe a ele liderar a carreira ladeira abaixo.

Além de inelegível, Lula parece que estará impedido de fazer sua campanha pirata porque poderá estar preso antes do que seus apoiadores acreditavam. Se esse cenário se consolidar, sem seu eixo, o que sobra à esquerda nativa além do eventual poste Fernando Haddad (PT)? O ex-prefeito paulistano apela a um segmento bem específico, mas é um nome para trabalhar para o futuro, se é que chegará a tanto.

Marina Silva (Rede) adernou demais ao centro, depois à direita, depois para algum lugar desconhecido com suas transversalidades. Mantém resiliência que soa residual em pesquisas, mas é desacreditada por seus mais ardorosos apologistas.

Ciro Gomes (PDT), para variar, queimou pontes com sua língua ao detonar Lula e o PT. Se tinha capacidade de articulação mínima para entrar numa disputa sem Lula com intenção de voto e um discurso, não terá estrutura partidária (logo, apoio real, dinheiro, palanques).

Aí restam as notas de rodapé folclóricas que a ausência de Lula poderá vir a franquear a quem se dispuser a ver o horário gratuito e debates.

Manuela D´Ávila (PC do B) e Guilherme Boulos (PSOL) são as mais vistosas, muito porque há um encantamento de certas camadas endinheiradas e/ou moderninhas, sedentas por uma indefinível revolução, com esse tipo de figura.

Tudo legítimo, mas são candidatos à verdadeira “antropofagia de anões”, incorretamente profetizada pelo hoje presidiário doméstico e então semideus João Santana em 2014. A imagem em vídeo de Lula pairando sobre o auditório escuro em que foi lançada a pré-campanha de Boulos falava por si só.

A coisa está ruim para Alckmin e companhia. Mas o consolo pode estar em observar o outro lado do rio.

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