Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Igor Gielow
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Final expõe conflitos da identidade europeia

De um lado, França e seus imigrantes; do outro, uma equipe com o pior do nacionalismo do século 20

Moscou

A final da Copa é daqueles jogos que transpiram o confuso espírito do nosso tempo.

Poucas seleções diferem tanto em concepção quanto França e Croácia, e não falo de esquema tático –até porque no mata-mata, todo time "técnico" joga por uma bola parada.

Vejamos os franceses, com sua constelação de imigrantes, na qual brilha o garoto Mbappé. Deslumbrados falarão das maravilhas da sociedade multiétnica do século 21, de como a França só chegou a três finais em 20 anos por ter aceito sua diversidade.

Bonito, mas falso como uma nota de 90 rublos, a começar pelos conflitos pregressos na equipe. Como pesquisa do instituto BVA apontou em fevereiro, 63% dos franceses acham que há imigrantes demais no país.

Gente como Pierre, convidado para assistir à semifinal entre França e Bélgica na casa moscovita de um cirurgião francês expatriado como ele. Dois russos e este escriba completavam o grupo.

Quando o jogo exasperava os franceses, Pierre soltou: "Também, é o clássico CDG. Terminal 1 contra Terminal 2".

CDG é o código do aeroporto parisiense Charles de Gaulle; ele se referia aos jogadores de origem estrangeira dos dois times. É um exemplo pedestre, mas revelador. Parece abstração? Caminhe do centro de Paris ao Stade de France, palco que consagrou a geração "pretos-brancos-árabes" do gênio Zidane. Spike Lee teria mil "Faça a Coisa Certa" para filmar na rota.

No polo oposto, a Croácia. Seu "éthos" exala o pior do nacionalismo do século 20. É reafirmação nacional, étnica e política ao mesmo tempo.

Claro que dá para entender. Os croatas comeram o pão que o diabo amassou para deixar a Iugoslávia. Qualquer turista que olhe além do próprio rosto no celular no belo país sabe disso.

O problema é que ninguém foi inocente naquele caldeirão dos anos 1990. As atrocidades vieram de todos os lados. Mas o genocídio do vizinho sempre será mais rubro –essa é a lógica sérvia, que avoca o holocausto imposto pelos fascistas croatas nos anos 1940.

"Uma vez nazista, sempre nazista", sentenciou o russo Sasha a Pierre. Impublicável o que ele disse sobre o zagueiro Vida e sua saudação à Ucrânia após derrotar a Rússia nas quartas.

Não deixa de ser fascinante que esse choque de contradições ocorra numa festa internacionalista sediada pelo farol do nacionalismo europeu (mas não croata), a Rússia de Putin.

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