Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Igor Gielow

Se topar convite de Bolsonaro, Moro legitima discurso do PT contra Lava Jato

Só de se dizer honrado pela hipótese de ser ministro ou ir ao STF, juiz já abre trinca na sua imagem

O juiz federal Sergio Moro se diz “honrado” pelo o convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Qual deles? O de ministro da Justiça? O de ministro do Supremo quando Celso de Mello ou outro pendurar a toga?

O juiz federal Sergio Moro após votar no primeiro turno das eleições deste ano, em Curitiba
O juiz federal Sergio Moro após votar no primeiro turno das eleições deste ano, em Curitiba - Rodolfo Buhrer - 7.out.2018/Reuters

É irrelevante, porque ele deixou a porta aberta: “Caso efetivado oportunamente o convite, será objeto de ponderada discussão e reflexão”, escreveu. O que importa é que, só de se dizer honrado e pensativo, Moro começa a destruição de tudo o que construiu com a Operação Lava Jato —uma obra coletiva, claro, mas que teve no combativo magistrado seu símbolo.

Se cometeu alguns erros graves e abusos durante a condução de um processo que há muito saiu do escopo de sua mesa em Curitiba, o saldo da atuação de Moro sempre foi positivo. A Lava Jato rompeu uma barragem de dejetos acumulados por décadas e que encontraram no petrolão sua expressão maior.

Nesses casos, como foi quando a Itália dos anos 1990 foi varrida pela Operação Mãos Limpas, sobra pouco pela frente. O sistema político, já questionado por sua ineficiência em prover a população de serviços decentes, virou um inevitável alvo indistinto. Corruptos e honestos caíram juntos.

Muitos acusam Moro e a operação pela eleição de um político oriundo de uma franja radicalizada do Parlamento à Presidência, que ocupou espaço na terra arrasada. Não chego a tanto: os políticos que caíram nas mãos de Moro só chegaram lá porque fizeram algo errado, e a história do fenômeno bolsonarista é mais complexa do que isso.

A questão é outra, mais narrativa e ética. Quando errou gravemente, como no caso da divulgação dos áudios entre Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff antes do impeachment, ou de forma mais venial, hipótese da divulgação do repeteco da delação de Palocci às vésperas do primeiro turno deste ano, ele sempre foi acusado pelo PT de perseguir o partido.

Se topar integrar o time de Bolsonaro como ministro, é desnecessário dizer que estará chancelando essa acusação politicamente. Foi o calendário processual de Moro que deixou Lula fora da eleição deste ano, sem entrar na discussão do mérito das sérias acusações —e na minha opinião de que o petista perderia um segundo turno de toda forma.

Se for indicado ao Supremo, também estará exposto a críticas, com menos intensidade talvez. Mas a ideia de prêmio por bons serviços estará dada.

O estrago já ocorreu. Honrado e pensativo, Moro irá ouvir Lula novamente no inquérito sobre o sítio de Atibaia, aliás bem mais complicado para o ex-presidente do que foi o do tríplex do Guarujá. Se não aceitar e ficar apenas honrado, ou se ainda estiver pensando, como julgará o caso? Certamente dirá que é imparcial, mas trincas de estátuas não costumam diminuir com o tempo.

E Moro é isso, um ícone indissociável do monumento da Lava Jato, por uma dessas perversões tropicais a que estamos acostumados. A rachadura provocada por esse flerte com Bolsonaro já está instalada; caberá a ele escolher se vai deixar tudo desmoronar ou achar alguma saída honrosa para mitigar esse desastre.

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