Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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No pacto de Bolsonaro, todos se acham mais espertos do que o outro

Acerto pode dar num Acordo de Munique, no parlamentarismo branco ou apenas em nada

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O esotérico café da manhã destinado a celebrar compromisso com a assinatura futura de um certo “pacto federativo” entre chefes de Poderes da República, celebrado na manhã da terça (28) com a pompa de um armistício, enseja ao menos duas leituras.

Toffoli, Maia, Bolsonaro e Alcolumbre em salão do Palácio do Alvorada após café da manhã oferecido pelo presidente
Da esq. para a dir., Toffoli, Maia, Bolsonaro e Alcolumbre após café no Alvorada - Marcos Corrêa - 28.mai.2019/PR

Ambas estão subordinadas, contudo, à mesma ideia: a de que sua visão dos fatos vai se sobrepor à dos aderentes da outra. Em resumo, é uma confraria de espertezas concorrentes, e sabemos o que acontece quando todo mundo se acha esperto. Vejamos:

1. Visão bolsonarista - Num interessante caso de marketing autorrealizável, o presidente estimulou radicalismos, voltou atrás e, quando viu que não fracassara nas ruas do domingo (26), passou a cobrar “a velha política” a dar alguma resposta. Ela ficou quieta, mas topou ir ao encontro de Bolsonaro para o tal café da manhã do “pacto”. Para o bolsonarismo, isso é um dos maiores troféus colhidos em seus parcos meses de empurra-empurra institucional.

Para os mais alarmistas, é possível ver no gesto de apaziguamento de Judiciário e Legislativo uma emulação farsesca e tropical do acordo assinado entre as medrosas potências europeias e Adolf Hitler em 1938, quando o ditador já beliscava territórios vizinhos e teve a cabeça acariciada pelo premiê britânico Chamberlain em nome da “paz em nosso tempo”.

Antes que algum desocupado me acuse de chamar Bolsonaro de nazista, reforço que isso é apenas uma comparação de tática e estratégia política. O resultado para os pacificadores do Acordo de Munique de 1938 foi o morticínio de 1939-45, para não falar no planeta trincado do pós-guerra. Sob essa ótica, Bolsonaro avançaria sobre os outros Poderes.

Sem alarmismo, mesmo admitindo que estamos com falta de Churchills para consertar erros, essa visão de seus apoiadores dará gás para as franjas mais radicais do projeto bolsonarista. Reformas econômicas, isso todo mundo que entende a realidade brasileira defende em algum grau; as maluquices que pululam por outras áreas da administração e o desgoverno no atacado são outra história.

2. Visão institucional. Aqui, os chefes do Legislativo e do Judiciário viram na abertura de Bolsonaro uma oportunidade para tentar engolir a agenda presidencial para depois regurgitá-la a seu gosto. Cabe aqui o parêntese já feito pelo cardeal Clóvis Rossi: que diabos estava fazendo lá Dias Toffoli, já que presidente uma corte que poderá analisar itens das reformas que talvez venham?

O ministro vem trabalhando há meses com a perspectiva de uma erosão institucional tão grande que necessite de intervenção coordenada, então pelos padrões de normalidade política brasileira não é exatamente uma surpresa. Mas é bastante anormal, e reforçará a autopropaganda bolsonarista de adesão generalizada ao governo.

Enfim, essa leitura vê Rodrigo Maia e o centrão, com Davi Alcolumbre a reboque e o PSDB dando uma mãozinha, fazendo o barco andar apesar das bolsonarices e sem maiores rupturas. Há muita torcida, até de gente bem intencionada. O dito mercado, que caiu em si após ter achado que Bolsonaro seria a salvação de seus resultados neste ano, já comprou a ideia de algum parlamentarismo branco.

Maia proclamou essa intenção reiteradas vezes nas últimas semanas. Resta saber se o presidente, ainda dono da caneta no sistema brasileiro, aceitará resignadamente tal roteiro. Eu não colocaria meu dinheiro nessa opção.

Como se vê, ambas as visões não são totalmente excludentes —o nada, aliás, é forte concorrente nas opções de resultado final. Para mim, do ponto de vista de imagem imediata, a ideia de um Acordo de Munique venceu. Mas isso tem a duração de uma live no Facebook, então é mais prudente esperar para ver se a esperteza colocada à mesa pelos comensais que não eram do Executivo irá vingar, especialmente se Bolsonaro incorrer no erro de sentir-se empoderado o suficiente para anexar alguma Áustria do tabuleiro.

Além disso, ainda é inaudito o grau de reação corporativa que virá do Congresso e do Judiciário, tão alvos dos manifestantes no domingo.

Os militares do governo, por ora em trégua com os olavistas, conseguiram conter maiores radicalismos de Bolsonaro na semana passada, mas viram o chefe elevar o tom no domingo. Agora, lhes restou engolir a seco, falar em união nacional e sussurrar temores de confrontos na rua com uma suposta oposição renovada.

Pode ser, mas os sinais externos indicam que perdeu tração o movimento que uniu esquerda e estudantes contra cortes no MEC. O termômetro será já nesta quinta (30), com novo ato marcado, um erro tático. Comparações serão inevitáveis, e se a parte não ideológica do pessoal que foi para as ruas há duas semanas não aparecer, o refluxo irá reforçar a narrativa bolsonarista da disputa.

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