Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Bolsonaro e Congresso terão dinâmica de conflito após Previdência

Com eleição de 2020 na esquina, cálculo sobre agenda econômica vai predominar

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Jair Bolsonaro compartilha com seu ídolo Donald Trump uma virtude: em alguns assuntos, ele definitivamente não está disposto a negar o que prometeu na campanha.

Paulo Guedes ouve Rodrigo Maia durante discussão sobre a reforma da Previdência no Congresso
Paulo Guedes ouve Rodrigo Maia durante discussão sobre a reforma da Previdência no Congresso - Evaristo Sá - 3.abr.2019/AFP

Claro que para os outros 90% dos temas estamos aí e mudamos, tá OK, mas a intransigência de base do presidente é o que fideliza seu eleitorado. Ela diz menos respeito às ideias comportamentais estapafúrdias ou às tosquices puras e simples, e mais à intransigência na sua promessa de governar sem compactuar com o Congresso.

Por óbvio, não funciona na prática. Com o apoio orgânico dos militares indo para o ralo a cada tapa na cara da caserna, resta o mito das ruas —que são mais virtuais do que reais, mas que já mostraram capacidade de se organizar em protesto recente.

Só que o pessoal que vai à Paulista de verde e amarelo não está disposto a transformar o Congresso numa Bastilha para forçar alguma reforma política, felizmente não menos porque não haveria projeto ou racionalidade. Os amadores que eles colocaram lá na esteira da energia canalizada em Bolsonaro em 2018 também não conseguirão fazer a revolução por dentro, felizmente parte 2.

Resta então um arremedo.

Tendo caído na real sobre o impacto da hoje muito provável reforma da Previdência na economia no curto e médio prazos, o tal mercado agora vende um conto segundo o qual Paulo Guedes sairá revigorado para tocar o resto de sua agenda liberalizante.

A subserviência a Bolsonaro com a qual Guedes tratou Joaquim Levy foi até lida como alinhamento do ministro ao chefe por quem estava com a posição comprada, mas na vida real é apenas uma espinhela moral caída mesmo. Vejamos o debate de uma reforma tributária em que cada bancada estadual e grupo de pressão quer uma coisa. Talvez uma agenda privatizante seja mais exequível no curto prazo.

Daí que chegamos aos fatos imediatamente sucedâneos à mui provável aprovação da reforma da Previdência —a despeito, e não por causa, do governo. Por partes:

1 - A radicalização do bolsonarismo será mantida para manter os 30% do eleitorado em marcha com ele. Não é pouco, e poderá engrossar caso o antipetismo veja uma eventual saída de Lula da cadeia. Então, dá-lhe olavismo a granel e o reforço a um Sergio Moro prestigiado do palácio para fora, e manietado para dentro. Barulho certo.

2 - Rodrigo Maia à frente e Davi Alcolumbre ao lado, o Congresso tentará puxar para si agendas positivas na economia. Isso irá ora combinar, ora antagonizar com as propostas de Guedes, e desse entrechoque muito do ritmo dos próximos meses vai derivar. Não faltarão alquimistas com propostas protoparlamentaristas, mas também uma saudável aplicação de freios ao Executivo, que, de resto, já ocorre agora.

3 - Tudo é eleição. Maia sabe que se entregar tudo o que o governo quer, corre o risco de ver jantadas a pretensão de independência parlamentar e os planos para a eleição municipal de 2020. Esse é o drama de seu aliado João Doria (PSDB), com o agravante para o governador paulista de que um inesperado sucesso econômico do governo murcha suas ideias presidenciais para 2022, enquanto uma oposição frontal a Bolsonaro alienaria sua própria base.

Esses vetores tenderão a se misturar e, na política, ordem faz diferença e data de pleito determina velocidade. Por ora, o governo deve seguir como uma nau fantasma em mar revolto, contratando crises para manter um simulacro de dinamismo. O perigo lá na frente é acabar como o navio de “A Balada do Velho Marinheiro”, de Coleridge: “Água, água por todo lado, nenhuma gota para beber”. Isso se os sortilégios do oceano não se apresentarem antes.

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