Uma das características do redemoinho entrópico que tragou o Brasil de forma mais explícita a partir de 2013 foi a emergência de um sentimento radicalmente antipolítico, grosso modo dividido entre apatia ou reatividade extremada.
No polo da ação, houve uma fragmentação. O antipetismo surgiu como um ramo majoritário, mas também houve uma grita pela tal renovação.
Além de bom negócio, a proliferação de startups políticas em 2017 foi uma consequência dessa demanda e também pelo senso de oportunidade de atores do mundo econômico de poder influenciar ideologicamente o debate público. Tudo legítimo, desde que se chamem as coisas pelo nome.
Como já é história, Jair Bolsonaro centrou fogo nos antipetistas, sem esquecer de apelar aos apáticos. Resultado, foi eleito, apesar de ser um satélite lateral a orbitar no sistema que prometia destruir: três décadas de atuação parlamentar cartorial, a promoção dos interesses familiares, tudo isso temperado por incontáveis bizarrices ideológicas.
O tal do novo, cuja alcunha virou até nome de partido, morreu na praia do ponto de vista majoritário, com a exceção do curioso fenômeno Romeu Zema em Minas. Apesar de todo o esforço de Fernando Henrique Cardoso, o ícone dessa turma, Luciano Huck, acabou fora do jogo.
No Parlamento, contudo, os movimentos de renovação plantaram 29 deputados e 4 senadores, representando 14 partidos. Para chegar lá, tiveram de se entender com siglas de várias colorações partidárias. O processo foi tumultado e, agora, se batem com a realidade.
O caso de Tabata Amaral (PDT-SP) é o mais reluzente desses entrechoques até aqui. Ameaçada de expulsão por ter votado contra a orientação do partido, a deputada de 25 anos experimenta na pele os limites do idealismo embalado por “storytelling” e a realidade.
É absolutamente lícito que o PDT queira a cabeça de Tabata —quem pagará a conta serão os caciques do velho brizolismo e o cirismo, se é que existe tal coisa. Ela é vitoriosa moral no debate, apesar do patético "bullying" que sofre de seus amigos à esquerda.
Isso dito, o tom autocentrado, algo messiânico, adotado pela deputada em sua defesa indica para onde irá esse debate daqui para a frente.
Aqui e ali, Tabata é ventilada como uma candidata competitiva para tentar ser prefeita de São Paulo. Pesquisas qualitativas à parte, é um despautério: não é uma história de vida bacana ou duas “lacradas” contra ministros que credenciam qualquer pessoa a lidar com um Leviatã como a capital paulista. Se ela quiser tentar, bom, boa sorte.
Claro, alguém lembrará que Bolsonaro também não tem preparo para governar o Brasil e está aí. “Pois é”, essa é a resposta possível. O que se pode dizer é o seguinte: se o bolsonarismo trabalha no espectro da destruição de relações entre Poderes, os grupos encarnados ora em Tabata terão de achar uma solução criativa para o embate.
O mero discurso da excepcionalidade e de pureza, marca desses movimentos de renovação, não dura para sempre. Você tem todo direito de vender um brownie orgânico feito com grãos biodinâmicos colhidos sob o quarto crescente da Lua por gnomos num pé de serra inaudito. Mas o escrutínio da vida real, quando não descobre picaretagens no “storytelling”, acaba por dar tamanho e proporção às coisas.
Naturalmente, inexiste casualidade quando João Doria estende tapete vermelho para Tabata. Se o governador tucano de São Paulo pretende oxigenar o cadáver do PSDB que herdou em 2018, simbolismos são bem-vindos. Numa entrevista que me concedeu em 2017, FHC disse que Doria e Huck eram o “novo”. Ele só se referia de fato ao segundo, mas talvez seja considerado profético quando estivermos olhando para a campanha presidencial de 2022.
É ali que essa coisa toda irá desaguar.
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