Em um dado momento de sua entrevista ao programa “Roda Viva”, na segunda (20), o ministro Sergio Moro falou acerca da investigação do caso Marielle Franco.
Lembrou que, em iniciativa da então procuradora-geral Raquel Dodge e do então ministro Raul Jungmann (Segurança), foi feita uma apuração sobre os procedimentos da Polícia Civil do Rio durante a investigação do assassinato da então vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes.
Moro comentava o pedido de federalização do caso de 2018, que ele deixou de endossar, já que o inquérito sigiloso basicamente desarmou uma farsa que visava salvar a pele dos verdadeiros mandantes e autores da barbaridade. Assim, retirá-lo do Rio seria uma forma de preservar a busca pelos culpados, no entendimento da época.
Moro então disse que o grosso dessa apuração “por fora” da Polícia Federal aconteceu já sob o governo Jair Bolsonaro, ou seja, já com ele como superior do órgão. “En passant”, lembrou a quem interessar possa que quaisquer achados já são de seu conhecimento —e são dezenas de quebras de sigilo no pacote.
O problema político para o poder federal, como se sabe, é a possibilidade de uma conexão entre grupos milicianos envolvidos na morte de Marielle e o clã Bolsonaro, com foco prioritário no filho 01, o senador Flávio, mas não só.
Indícios dessas ligações abundam, o que não significa conexão objetiva, mas manipulações também já foram tentadas. Político como poucas vezes se viu em público, Moro ressaltou que o próprio Bolsonaro foi vítima de um depoimento que o implicou diretamente no caso, mas depois foi desmentido.
O dilema pontual para Moro era claro. Se insistisse pela federalização, seria acusado de tentar acobertar algo em nome do chefe. Agora, será visto nas hostes bolsonaristas como alguém que facilitou a vida de um adversário, o governador Wilson Witzel (PSC), com acesso a informações sobre o desenrolar de um caso potencialmente ruinoso para a primeira-família.
Mas os dados da apuração exclusiva da PF são de conhecimento, em algum grau ao menos, de poucos na corporação, na Procuradoria-Geral da República, no Superior Tribunal de Justiça e em instâncias de investigação no Rio.
E de Moro, que tudo sabe. Naturalmente, isso não significa que ele fará ou não algo com isso. Mas conhecimento é poder, não menos para calcular trajetórias. Popular, ele é candidatíssimo como alternativa para o eleitorado conservador que talvez rejeite as bizarrices do presidente em 2022 —ou que se horrorize com eventuais revelações, digamos, escandalosas.
Se o impacto do absurdo episódio de “channeling” nazista de Roberto Alvim irá configurar um divisor de águas no comportamento do governo Bolsonaro, isso é incerto —apostaria que não, já que atavismo é atavismo.
Mas é inescapável constatar que, neste primeiro momento, a ficha caiu. Paulo Guedes disse que foi a Davos decidido a convencer investidores gringos que “o Brasil tem uma democracia estável, pujante e que funciona”.
Qualquer coisa em contrário, disse ele à Folha, são “ecos provocados pelos próprios brasileiros que se opõem ao governo”, que “deram uma ideia errônea aos investidores sobre o que tem acontecido”.
Buscou então qualificar a demissão de Alvim como uma prova da funcionalidade do governo —ignorando, claro, como aquela pessoa foi parar no cargo de secretário de Cultura. Então tá.
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