Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Na terra de Goebbels, Alvim poderia ser preso por fala nazista

Até Olavo de Carvalho sentiu o cheiro de queimado, deixando Bolsonaro sem a alternativa de gritar que era fake news a performance do secretário

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Na Alemanha, terra de Joseph Goebbels, Roberto Alvim poderia ter problemas com a Justiça se publicasse o discurso no qual plagiou trechos de uma fala do ministro da Propaganda do nazismo ao som de uma das óperas favoritas do ditador Adolf Hitler.

Demitido, estaria, como por fim acabou sendo por aqui. São incontáveis os casos em que políticos alemães escorregaram em falas públicas acerca dos 12 anos mais sombrios da história de seu país, o governo nazista iniciado em 1933, e pagaram com a carreira.

Mais do que isso, Alvim seria confrontado com a lei. A seção 130 do Código Penal da Alemanha prevê multa ou até três anos de cadeia por quem “glorificar ou justificar o nacional-socialismo”.

Se o secretário de Cultura acha que engana os trouxas no trópico, seria educativo vê-lo repetir o feito em solo alemão.

Imagem mostra Roberto Alvim ao centro, sentado em uma mesa; acima dele, a foto do presidente Jair Bolsonaro; ao seus lados, a bandeira brasileira e uma cruz
Secretário de Cultura do governo Bolsonaro, Roberto Alvim, em vídeo em que parafraseia Goebbels - Reprodução/Twitter

Tudo no vídeo soa a pastiche, do tom de voz a uma cruz patriarcal, presente no brasão da Hungria —cujo governo autoritário tanto inspira o bolsonarismo—, sobre a mesa.

A lei vai além, prevendo de três meses a cinco anos de cadeia para quem fizer discurso de ódio que “assalte a dignidade” de grupos específicos ou pregue violência. Isso Alvim não fez diretamente, embora todos saibam onde parou a busca estética nazista por uma “arte heroica e nacional”.

Também são estipulados três a cinco anos de prisão no caso de distribuição de material impresso que faça alusão a essas práticas —o que torna a suástica nazista um símbolo banido.

Obviamente, tais regras têm mais a ver com a dificuldade alemã em lidar com seu passado do que com conceitos de liberdade de expressão. Em 1994, quando a negação do Holocausto foi considerada crime, um grupo de historiadores se pronunciou em favor do “direito à estupidez” no debate público.

Com efeito, restrições à posição não são universais. Estão em países de língua alemã e na França, mas não nos Estados Unidos, por exemplo. Nas batalhas travadas na trincheira da liberdade de expressão, são turvas as fronteiras. Por regra geral, tendo a ficar com o direito à estupidez.

Montagem mostra Roberto Alvim, à esq., e Joseph Goebbels, à dir.
Montagem mostra Roberto Alvim, à esq., e Joseph Goebbels, à dir. - Reprodução e Atelier Bieber/Nather/Bildarchiv Preußischer Kulturbesitz

O que não significa que não haja consequências para os estúpidos, ao menos políticas, como Roberto Alvim sentiu na pele. Com uma postagem, ele conseguiu destruir todo o esforço que o bolsonarismo fazia para refutar a pecha de fascista.

O uso, vulgarizado em conversas com esquerdistas, continua errado. Bolsonaristas costumam ter ímpetos fascistas, no sentido de totalitarismo, preconceitos e união nacional em torno de uma figura política, mas estão longe do movimento organizado surgido das ruínas da Primeira Guerra Mundial.

 

Do ponto de vista retórico, como se costuma dizer, se você quer perder uma discussão, basta acusar o oponente de ser nazista. Com sua inacreditável performance, Alvim conseguiu dar munição de sobra para quem se apega ao método. 

A chegada do bolsonarismo ao poder agregou ao anedotário político brasileiro facetas antes inauditas de interpretação da realidade. Seus membros mais ideológicos, por assim dizer, acreditam estar na vanguarda de uma revolução calcada em valores antiglobalistas e “judaico-cristãos”.

É uma turma curiosa, essa dos seguidores do escritor Olavo de Carvalho. Defende Israel com os dentes, mas quando ouve falar no bilionário George Soros age como se os “Protocolos dos Sábios de Sião” fossem verdadeiros.

O texto czarista do século 19 é uma falsificação que atribui aos judeus uma conspiração para dominar o mundo, e foi usado extensivamente para justificar perseguições, inclusive pelo nazismo. E o investidor húngaro judeu, alvo de campanha antissemita por aliados do premiê Viktor Orbán em seu país de origem, é uma espécie de Anticristo do internacionalismo para eles.

Mas mesmo esses bolsonaristas radicais, apesar de seu apego a um mundo de assertivas inequívocas sobre sua visão de mundo, sentiram o cheiro de queimado. “É cedo para julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça. Veremos”, escreveu o próprio guru do pessoal no Facebook, antes da queda do secretário.

Jair Bolsonaro já disse que o nazismo era um movimento de esquerda, em pleno Israel, então talvez seja demais esperar que ele faça digressões históricas mais sofisticadas sobre o episódio.

Mas ele é um político. Desta vez, não baixou um Goebbels nele acusando a mídia de propagar fake news, e não restou nada além de limpar a sujeira.

Pressionado pela influente comunidade judaica e pelo repúdio generalizado de aliados a Alvim, o presidente ficou sem alternativa, não menos porque o secretário reafirmou suas convicções ao comentar o episódio.

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