Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Moro depende de Bolsonaro para manter-se em evidência na política

Terremoto político causado por ex-ministro segue reverberando, mas sua figura pública encolheu

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Quando deixou o governo de Jair Bolsonaro, há um mês, Sergio Moro foi investido imediatamente pelo mundo político como um presidenciável de primeira hora.

Não que ele já não o fosse: como juiz-símbolo da Operação Lava Jato, Moro galgou rapidamente ao posto de uma das figuras públicas mais populares do país.

O ex-ministro Sergio Moro chega a hotel de Brasília após encontro na sede da PF
O ex-ministro Sergio Moro chega a hotel de Brasília após encontro na sede da PF - Adriano Machado - 12.mai.2020/Reuters

Sua migração para o que agora ele vende como um lado sombrio da Força nunca foi sem custo. Como dito à época, aceitar o convite de Bolsonaro equivalia a um atestado de suspeição acerca de seus procedimentos contra Lula e o PT.

O sucesso da Lava Jato, inestimável ao país apesar dos desvios e abusos nela embutidos, não tisnou o casco de Moro. Mesmo as revelações da dita Vaza Jato viram seu alvo com a popularidade relativamente intocada, ainda que tenha desmontado parte do arcabouço lava-jatista no Supremo Tribunal Federal.

Fora do governo, Moro foi esperto o suficiente para se manter em evidência, como fio condutor de acusações graves contra o ex-chefe, um embate condensado publicamente no escandaloso vídeo da reunião de 22 de abril.

A reverberação da afirmação de que Bolsonaro queria interferir na Polícia Federal só fez crescer desde então, seja no inquérito sobre o caso no Supremo, seja as atitudes inequívocas do presidente —da troca da chefia fluminense do órgão às suspeitas sobre a estrepitosa operação contra Wilson Witzel.

Paradoxalmente, Moro viu seu brilho como figura pública se enfraquecer e enfrenta vários desafios à frente. Os políticos, que sempre odiaram o figurino de paladino da Justiça de do ex-juiz, foram à carga contra o desafeto.

Apesar de acenos de eventuais rivais como o tucano João Doria, se mantiver o curso de entrar na política partidária, Moro dificilmente terá algo mais que o raquítico Podemos de Alvaro Dias para se encostar.

Mesmo seu condão de atração tem algo de questionável. Muitos analistas esperávamos um dano mais óbvio da saída de Moro do governo na base de apoio de Bolsonaro.

Até aqui, isso não se configurou. É algo visto aqui e ali em pesquisas qualitativas, mas não em grandes sondagens quantitativas.

É preciso mais tempo para avaliar a combinação do caso Moro com outros fatores, como a aliança de Bolsonaro com o centrão, para saber o tamanho da fissura na base presidencial.

O bolsonarista-raiz, contudo, esse já mandou Moro ir plantar cana em Cuba. Ganha uma passagem da Air Koryo para Pyongyang quem provar que poderia imaginar essa cena há quatro meses.

Como já observou Gilberto Kassab, manda-chuva do PSD, falta a Moro uma agenda política a defender e uma estrutura que lhe dê sustentação.

A entrevista concedida pelo ex-ministro ao Fantástico do domingo (24) mostra que faltam mais coisas. Colocado contra a parede acerca de sua participação no governo Bolsonaro, Moro mostrou-se balbuciante, acuado.

Fica assim claro que a aura heroica sofreu um abalo. Sem sua capa de juiz ou manto de superministro, Moro será apenas Moro.

Mais que isso: ele estará exposto aos elementos e com poucos aliados.

Não que ele tenha deixado de impressionar os inimigos. No PT, o desprezo pelo ex-juiz que colocou Lula na cadeia, um ativo eleitoral enorme e ainda bastante vivo, parece proporcional ao temor de seu potencial.

No mundo da advocacia, não terá vida fácil, dado que sempre viveu às turras com os causídicos criminalistas. “Lives” recentes do influente grupo Prerrogativas, que une a nata da categoria e é bastante próximo do PT, elegeram a desconstrução dos métodos de Moro como alvo.

“Moro tirou a máscara. Entrou pequeno em um governo que ajudou a eleger, e saiu menor, acanhado, constrangido e com as mãos sujas de sangue pela omissão”, diz o coordenador do Prerrogativas, Marco Aurélio Carvalho.

Para a sorte de Moro, a condução dada pelo decano Celso de Mello ao inquérito sobre a interferência óbvia de Bolsonaro na PF parece ignorar o mau humor de boa parte do Supremo com ele.

Assim, seu palco temporário estará garantido. Mas ele ainda poderá se transformar num cadafalso reputacional, quando a volta de trabalhos presenciais pós-pandemia trouxer o julgamento de seu pedido de suspeição no caso Lula na Segunda Turma da corte.

Se as críticas à sua estrondosa atuação na Lava Jato sempre podem ser acusadas como choro de quem foi pego, a coisa fica mais difícil quando o desempenho de Moro como ministro é colocado em xeque.

Noves fora a adesão a um projeto político personalista e autoritário, na prática o ex-ministro pouco ou nada logrou fazer no cargo. Sua menina dos olhos, o pacote anticrime, foi desfigurado com apoio de um ciumento Bolsonaro.

Restará a mística original, por certo ainda sedutora, e a certeza de que Moro dependerá das agruras do ex-chefe para manter-se em evidência. Se isso será suficiente para sustentar uma pretensão presidencial em dois anos, ou garantirá uma vaguinha no Parlamento pelo Paraná, ainda é incerto.

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