Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho
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Para além das medidas extraordinárias

Precisamos de um plano nacional de segurança baseado em evidências e com visão de longo prazo

Soldado do Exército durante operação na Vila Aliança, na zona oeste do Rio
Soldado do Exército durante operação na Vila Aliança, na zona oeste do Rio - Danilo Verpa/ Folhapress

A intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro é o capítulo mais extremo da crise que afeta diversas unidades da federação há décadas. Não é de hoje que as Forças Armadas são chamadas para apagar incêndios. Nos últimos dez anos, o Exército participou de 67 operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) país afora. Na GLO, os militares atuam de forma provisória com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade, em área restrita e por tempo limitado. A eficácia dessas ações tem sido contestada dado o seu alto custo e efeito de curta duração. 

Já a intervenção é uma medida de exceção máxima que está sendo usada pela primeira vez desde a Constituição de 1988. Durante sua vigência de dez meses, as polícias Civil e Militar, os Bombeiros e o sistema penitenciário do Rio ficarão sob a responsabilidade direta de um interventor, um general do Exército, que terá plenos poderes operacionais. Tanto a intervenção quanto as GLOs são realizadas exclusivamente por ordem da Presidência da República, mas há uma diferença fundamental a ser observada. Se a intervenção falhar, não há outra medida constitucional prevista sem que haja restrições de liberdades. 

Como sabido pelos mandatários, o tema tem o apoio das ruas: 75% dos moradores do Rio de Janeiro acham que a segurança pública deve melhorar com a intervenção federal no Estado. Mas já sabem que o buraco é mais embaixo: 81% avaliam que a medida não vai resolver o problema, segundo pesquisa do Ideia Big Data. Outros Estados cogitam pedir uma intervenção e o presidente da República já afirma que o sucesso do Rio será aplicado em outros lugares por meio do recém-criado Ministério Extraordinário da Segurança Pública. Há (muitas) controvérsias nessa declaração.

Pelo que está em jogo, vidas de cidadãos brasileiros, a intervenção não pode falhar. Seu foco principal precisa ser a reestruturação das instituições de segurança pública do Rio e o enfrentamento da corrupção policial em parceria com o Ministério Público, o Judiciário e a Polícia Federal. A coordenação dos esforços será crucial para a redução do crime, e pode ser fortalecida se houver integração dos sistemas de informação das duas polícias, sistema prisional e Exército. 

Exemplos de reformas policiais em outros países têm no uso de dados elemento fundamental para otimizar o trabalho das polícias, permitindo a melhor identificação dos problemas, e gerando indicadores para montar um sistema de responsabilização. Essa realidade não está tão distante do Rio, onde o Sistema Integrado de Metas foi implementado em 2009, inspirado no CompStat de Nova Iorque, e é uma ferramenta gerencial fundamental para integrar o trabalho das polícias e checar a efetividade das ações. Também no Rio, o Instituto de Segurança Pública possui corpo técnico qualificado e capaz de liderar um esforço de integração de dados e de fomento a uma cultura de policiamento com base em evidências científicas com base no ISPGeo. 

O que precisa ficar claro é que para melhorar a segurança pública precisamos ir além das medidas extraordinárias. Precisamos de uma vez por todas de uma política e de um plano nacional de segurança pública baseados em evidências, com visão de longo prazo, competências definidas e recursos assegurados, como temos na saúde e na educação. Essa mensagem não dá voto, mas salva vidas.

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