Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho
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Um olhar para o começo da vida

Combater alta dos homicídios passa por medidas voltadas a infância e juventude

Crianças brincam em rua da comunidade do Bode, bairro de Pina, um dos mais violentos do Recife
Crianças brincam em rua da comunidade do Bode, bairro de Pina, um dos mais violentos do Recife - Danilo Verpa - 08.abr.2017/ Folhapress

A intolerável colocação do Brasil no primeiro lugar em números absolutos de homicídios no mundo faz com que especialistas em segurança pública reivindiquem há décadas um olhar prioritário do governo e da sociedade para as mortes violentas. Hoje, neste espaço, chamo atenção para um tema muitas vezes preterido pelo debate público: para reduzir mortes, é preciso que olhemos prioritariamente para o começo da vida, ou seja, para as crianças e os jovens. Isso significa, em termos práticos, apostar em estratégias que incidam sobre a violência letal bem antes que ela ocorra.

Chega a 61 mil o número de pessoas assassinadas em nosso país todos os anos. Ou seja, sete brasileiros e brasileiras são mortos violentamente a cada hora. Os homicídios se concentram de forma desproporcional em determinados lugares e grupos populacionais. Do total de vítimas, quase 70% têm entre 15 e 19 anos. Desses jovens, a maioria são do sexo masculino e negros.

Por si só, os números indicariam a necessidade de atenção à nossa juventude. Tal urgência fica ainda mais evidente ao revisarmos estudos sobre o que funciona e o que não funciona para diminuir níveis de homicídios. Eles demonstram uma maior eficiência de políticas e programas que vão além do foco em policiamento, concentrando-se também na prevenção. O impacto é especialmente alto quando se tratam de intervenções voltadas para crianças e adolescentes.

Entre as estratégias cuja eficácia está amparada por evidências estão as voltadas para o desenvolvimento na primeira infância e de habilidades parentais, com objetivo de fortalecer a relação entre crianças e seus responsáveis, criando famílias mais estáveis. Estão incluídos também políticas e programas voltados para o emprego juvenil. A criação de espaços públicos que possam contribuir para a convivência saudável entre adolescentes e o estabelecimento de relações pacíficas, com o apoio de metodologias já testadas, também é fundamental.

Nesse sentido, uma experiência com forte potencial vem sendo implementada no Nordeste do Brasil, em Recife. O Centro Comunitário da Paz (Compaz), cujas duas primeiras unidades foram inauguradas pelo município em 2016 e 2017 em áreas de alta vulnerabilidade social, colocam à disposição de jovens atividades esportivas, biblioteca, aulas de idiomas, reforço escolar e capacitação para geração de renda. Os centros oferecem também serviços judiciários, como a mediação de conflitos. O foco dos espaços não é somente promover inclusão social, mas também fortalecer relações comunitárias. Para isso, a interlocução com moradores das duas regiões onde o Compaz foi instalado vem sendo crucial.

Mais iniciativas que olhem para o começo da vida de brasileiros e brasileiras são urgentes não apenas pelo fato de a nossa juventude estar sendo brutalmente vitimada, mas também porque isso apresenta uma relação de custo-benefício alta. Para avançar nessa abordagem, precisamos de lideranças fortes, em especial prefeitos e governadores, dispostos a desenvolver e implementar planos integrais de prevenção e redução de violência que levem em consideração quais populações estão em situação de maior vulnerabilidade. Parte indispensável desse processo é que autoridades e cidadãos deixem de olhar jovens apenas como parte do problema. Enxerguemos que eles também são parte elementar da solução.

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