Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

Emprego e dignidade

Oferecer oportunidades de trabalho para presos gera impactos para todos

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Chega janeiro e aproveito para chamar atenção para um desejo quase que unânime para o novo ano que se inicia: a chance de recomeçar. E quem é privado de liberdade carrega esse sentimento com ainda mais intensidade. Por isso, hoje quero lembrar da principal referência das Nações Unidas no que diz respeito ao tratamento de presos, as chamadas Regras de Mandela, que afirmam que condenados devem ter a oportunidade de trabalhar, preferencialmente de maneira a fortalecer habilidades para viver com dignidade após sua liberação.

A Lei de Execução Penal brasileira, por sua vez, indica que a finalidade do emprego de pessoas privadas de liberdade deve ser não apenas produtiva, mas também educativa. Indivíduos que saem da prisão em geral têm baixa escolaridade, experiência profissional limitada e estigma. Achar que isso diz respeito somente a eles ou a suas famílias é um erro. Dar acesso a educação e trabalho para essas pessoas significa mudar trajetórias. Tal potencial é o suficiente para que o assunto seja de interesse de toda a sociedade. E, para que haja mais empregos para esses indivíduos, é preciso que seja.

Vale lembrar de qual contexto estamos falando. O Brasil tem cerca de 726 mil presos, quase o dobro do número de vagas no sistema. A cada 10 pessoas privadas de liberdade, 4 não foram condenadas. O perfil majoritário é de homens, negros, de 18 a 29 anos. Chega a 61% os que têm até o ensino fundamental incompleto, são analfabetos ou não têm cursos regulares. Somente 15% trabalham. Sem oportunidades e dignidade, e controlados pelo crime organizado, os presídios brasileiros têm sido parte do problema da segurança pública e precisam ser parte da solução.

Embora existam poucos estudos sobre o tema no Brasil, avaliações internacionais apontam impactos positivos do apoio à inserção no mercado de trabalho de egressos do sistema penitenciário. Nos Estados Unidos, um projeto baseado em cursos, bancos de empregadores e acompanhamento durante o emprego calcula ter diminuído 20% a reincidência criminal. Outro programa, com alocação em vagas de trabalho públicas, gerou retorno de US$ 43,26 por dólar investido. É levada em conta a economia do poder público com a redução do reingresso em unidades prisionais.

Fortalecer a oferta de emprego para presos e egressos depende de políticas públicas voltadas para isso. O Brasil deu alguns passos nessa direção. Decreto de julho de 2018 criou a Política Nacional de Trabalho no Sistema Prisional. No final do ano passado, o Ministério da Segurança Pública assinou portaria que prevê o financiamento de projetos de apoio a egressos do sistema prisional. Entre as áreas em que os recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) poderão ser usados, estão geração de renda, capacitação e profissionalização.

Pesquisa realizada pelo Instituto Igarapé no Rio de Janeiro traz uma série de exemplos de como os governos estaduais, responsáveis pela administração de unidades onde estão 95% dos presos, também podem incidir sobre isso. Entre as recomendações elaboradas a partir de conversas com representantes dos setores público, privado e sociedade civil, estão a ampliação de iniciativas de capacitação social e técnica, a busca ativa de potenciais contratantes e uma maior divulgação dos trâmites de contratação.

Em suma, o trabalho dentro da prisão pode quebrar ciclos de violência fora dela. Apoiar e cobrar os avanços necessários é chave para que nós também possamos renovar as esperanças e viver em paz.

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