Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

O dia do fogo e o pulo do sapo

A resposta tardia à crise ambiental precisa vir seguida de forte ação

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Chamadas de hot spots, por reunir diversos tipos de crimes, incluindo altíssima incidência de desmatamento, Altamira e outras cidades no Pará estão há tempos entre as mais violentas do Brasil e do mundo.

As causas sobrepostas da violência passam pela história da exploração predatória da floresta, urbanização descontrolada, por negligência e corrupção pública que atrasam nosso desenvolvimento.

O Dia do Fogo, como foi batizado o último dia 10, foi expressão máxima da certeza da impunidade dos grupos que exploram de forma criminosa a região.

A denúncia, que precisa ser apurada até o fim, diz que os incêndios nas margens da BR 163 foram combinados em um grupo de WhatsApp com mais de 70 pessoas, entre sindicalistas, produtores rurais, comerciantes e grileiros.

O suposto motivo seria demonstrar apoio às ideias do presidente Bolsonaro de desmontar a capacidade de fiscalização da legislação ambiental e de perdoar as multas de quem as descumpre.

Há somente três fiscais do Ibama em Altamira —maior município brasileiro, sem autonomia para executar ações.

Quando o perverso plano vazou, o grupo começou a reforçar a versão mentirosa sobre os mandantes dos incêndios, disseminada pelo próprio presidente da República, que os atribuiu às ONGs.

Não é a primeira vez, e temo não ser a última, em que crimes são praticados como decorrência direta do discurso de incitação à violência e de ações irresponsáveis de desmanche de políticas públicas essenciais.

Só que dessa vez o governo brasileiro subestimou severamente a escala da preocupação nacional e global com a Amazônia e precisou voltar atrás.

Uma recente pesquisa do Ibope revelou que 96% dos brasileiros querem que o governo reduza o desmatamento ilegal.

A grande maioria, incluindo eleitores do presidente, quer ver ações mais energéticas para contê-lo e diminuir a “limpeza ilegal” de terras.

Fora do Brasil, a reputação do país foi gravemente ferida pelos incêndios na Amazônia, passando de modelo global de conservação florestal a pária internacional em tempo recorde.

Vimos os principais líderes mundiais se manifestarem pedindo ação contra o fogo. O governo brasileiro prejudicou as relações do país com aliados, incluindo França, Finlândia, Irlanda, Alemanha, Noruega e Reino Unido.

A resposta tardia à crise precisa vir seguida de forte ação. Está dada a chance para o governo mudar por completo o rumo da atual política antiambiental e começar a aliviar a tensão nos hot spots da região amazônica.

Os três poderes do Estado precisam cessar o desmanche e os retrocessos nas legislações ambientais, em especial a flexibilização de licenças e das reservas legais.

O Congresso precisa entender que, se apoiar as propostas de armar a população civil, com benesses especiais para áreas rurais, estará potencialmente dando aval à política de incentivo aos crimes 
contra o meio ambiente e contra seus defensores.

O caso de Altamira nos mostra como essas questões são intrinsecamente relacionadas em um país 
que enfrenta muitos desafios em se fazer cumprir a lei.

Estudos de organizações de ponta como Inpe, Imazon, ISA, MapBiomas e Observatório do Clima mostram que a floresta é muito mais valiosa de pé, seja pela sobrevivência da nossa e de tantas outras espécies que precisam dela para regular o clima global, seja pelas inúmeras descobertas que ainda estão por vir com o incentivo à biotecnologia.

Com as novas tecnologias é absolutamente possível aumentar a produtividade da agroindústria sem desmatar mais.

Que a crise aguda nos ajude a pular da panela e agir antes de assinar nossa lenta e dolorosa sentença de morte. Afinal, quero crer que sejamos mais inteligentes que os sapos.

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