Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Nova temporada da mortal série das armas

Portaria editada pelo governo federal privilegia atiradores e nos deixa legado trágico

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Quanto mais armas na sociedade, maior a violência fatal. A evidência é esmagadora. Nos EUA, pesquisa da Universidade de Saúde Pública de Boston mostra que o aumento de 1% na posse de armas registradas está correlacionado com alta de 0,9% nos homicídios por armas de fogo. No Brasil, pesquisas do Ipea mostram que, para cada adição de 1% de armas em circulação, há um aumento de 2% de homicídios.

É por isso que o incessante esforço do governo federal para expandir a disponibilidade de armas de fogo preocupa. 

 

Foi editada, em 8 de novembro, uma portaria do Comando Logístico do Exército sobre a posse e aquisição de armas e munições de acordo com os decretos 9.845/19, 9.846/19, 9.847/19 e 10.030/19. Decretos esses que estão sendo contestados no STF por irem além dos limites da lei 10.826/2003, que rege o controle de armas no país.

A portaria 136, já em vigência, aumenta os privilégios concedidos aos caçadores, atiradores desportivos e colecionadores, chamados CAC, que são parte da base de apoio fiel do presidente da República. Listo abaixo as regulamentações mais graves que falam por si:

1. Permite a compra de 20 quilos de pólvora por cada CAC para recarregar munição para os que solicitarem autorização para ter máquinas de recarga caseira. Esse tipo de munição não é rastreável e nas mãos de criminosos tornam a elucidação de crimes violentos —já precária— quase impossível. Além disso, saibam que é possível fazer uma bomba caseira com 500 gramas de pólvora, então cada CAC poderia em tese fazer até 40 bombas por ano.

2. Aumenta o limite de armas que cada CAC pode comprar: 60 armas para atirador (30 de uso permitido e 30 de uso restrito); 30 armas para caçador (15 de uso permitido e 15 de uso restrito) e cinco armas de cada modelo para colecionador. Os CAC precisam de tantas armas? Quem pode pagar pela compra e registro de armas que custam entre R$ 2.500 e R$ 25.000?

3. O limite anual de compra de munições também aumenta: 5.000 balas por arma de uso permitido e 1.000 por arma de uso restrito. Considerando apenas o número de atiradores ativos em maio de 2019, a nova regra autoriza a compra de praticamente 27 bilhões de munições por ano apenas pelos atiradores desportivos.

4. A compra de fuzis volta a ser uma possibilidade. O artigo 10 da portaria restringe a compra de arma “portátil semiautomática cuja data do projeto original tenha menos de 30 anos”. Contudo essa restrição, que inclui determinados tipos de fuzis, não está prevista para os caçadores e atiradores.

5. A compra de silenciadores, muito usados por bandidos experientes, também volta a ser possibilidade para caçadores e atiradores. Esses artefatos estão vedados para a compra por colecionadores e membros de forças de segurança, mas caçadores e atiradores poderão ter autorização. 

Além dos danos devastadores no longo prazo, não há capacidade de fiscalização e de cumprimento da lei de controle de armas no Brasil.

O lobby das armas atua desde a aprovação da lei 10.826/2003 para evitar o investimento necessário para que ela seja efetivamente cumprida. O pouco que se construiu está sendo desmantelado. Os CAC, assim como as empresas de segurança privada e forças de segurança pública, são fontes importantes de desvio de armas e munições para o crime no país.

Estamos nas mãos de um governo irresponsável. Essas armas permanecerão na sociedade por gerações —o que explica por que a grande maioria dos brasileiros se opõe à flexibilização das leis sobre armas. 

Pagamos um preço absurdo pela perda das vidas e da liberdade que estão nos tirando, e deixaremos um legado mortal para nossos filhos e netos. Reajamos enquanto é tempo.

Ilona Szabó de Carvalho  

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