Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

Violência policial e autoritarismo

3 em cada 10 mortes violentas no Rio de Janeiro foram cometidas por policiais

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A celebração da queda de quase 20% no número de homicídios dolosos no estado do Rio de Janeiro em 2019, divulgada semana passada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), não pode esconder um dado igualmente importante e intolerável.

A taxa de mortos pela polícia foi de 10,5 para cada 100 mil habitantes no ano passado, o que representa 30,3% de todas as mortes violentas no estado.

Há muitas razões para acreditar que a brutalidade policial é um indicativo das tendências autoritárias de um país.

Ao contrário do que muitas pessoas podem acreditar, a violência policial coloca em xeque o uso legítimo da força, essência do Estado democrático de Direito.

Policiais caminham por ruelas da localidade conhecida como Alvorada, no Complexo do Alemão
Policiais caminham por ruelas da localidade conhecida como Alvorada, no Complexo do Alemão - Daniel Marenco - 01.ago.2014/Folhapress

Pode também ser um lembrete de que o Estado perdeu o controle sobre sua responsabilidade básica de prover segurança pública para todos. 

Portanto, o fato de que três em cada dez mortes intencionais no Rio tenham sido cometidas por policiais no ano passado não tem nada de normal e precisa ser contestado pela sociedade, sobretudo ao olharmos para o contexto histórico e nacional.

Os 1.810 casos representam crescimento de 18% com relação a 2018 e o maior número de vítimas desde o início da série histórica, em 1998.
 

E o Rio de Janeiro não é um caso isolado. Em São Paulo, houve um aumento de 12% no número de mortes praticadas por policiais civis e militares em serviço em 2019.

Nacionalmente, o primeiro semestre registrou 2.886 pessoas mortas por policiais, 120 a mais que no mesmo período de 2018, de acordo com dados do Monitor da Violência. A alta foi puxada por dez estados.

Em meio a esse cenário, as reduções de crimes são, por vezes, usadas para legitimar o abuso da força. A relação no entanto, é falsa. No caso do Rio, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, teve uma das mais significativas reduções das mortes por intervenção de agente do Estado (24%) em 2019, e também uma importante queda de homicídios dolosos, de 17%.

Documento produzido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em setembro analisou os números de homicídios dolosos e as mortes por intervenção de agentes do Estado por Áreas Integradas de Segurança Pública (Aisp), entre janeiro e agosto de 2019. A conclusão é que não existe padrão na relação entre os dois fenômenos.

A narrativa enganosa de que uma polícia que mata muito pode conter a violência é disseminada e, em alguns casos, promovida por autoridades que, não por acaso, costumam expressar simpatia por restrições às liberdades civis, à expansão da impunidade das forças de segurança e à redução de freios e contrapesos sobre a democracia. No Brasil, temos exemplos disso nas esferas estaduais e federal.

Vale lembrar que essa estratégia coloca em risco a vida dos próprios agentes de segurança. Pelo menos 343 policiais foram mortos em 2018, como mostra o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Milhares sofrem com lesões físicas e problemas de saúde mental, números também inaceitáveis. Além disso, cidadãos que são repetidamente expostos a violações dos direitos humanos são menos inclinados a denunciar crimes, auxiliar em investigações ou testemunhar, o que alimenta o ciclo de insegurança.

Uma das tragédias do Brasil é que, depois de anos de brutalidade —incluindo uma ditadura militar— muitos ficaram insensíveis ou anestesiados. A sociedade precisa despertar.

Líderes estão reduzindo problemas complexos a discussões binárias e reforçando a violência como solução. A história do Brasil e do Rio mostra claramente que esse não é o caminho. A próxima geração de líderes precisará entender bem isso para que nossa democracia possa avançar.

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