Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

Segurança e democracia

O medo da violência vira terreno fértil para propostas mágicas

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A ascensão de um governo populista com tendências autoritárias vivida hoje no Brasil tem relação com o fato de a segurança pública não ter sido priorizada na transição democrática. Essa falha grave impediu o fortalecimento e a consolidação do Estado democrático de Direito no país.

Verdade seja dita, muitos governadores e presidentes de direita ou de esquerda, historicamente, não abordaram as questões estruturais para se ter forças policiais profissionais no Brasil. Tampouco priorizaram junto aos prefeitos as políticas públicas que tratam dos fatores de risco da violência, como a desigualdade social, o baixo acesso à escolaridade e ao emprego de qualidade, o alto nível de impunidade, a exposição à violência na infância, a rápida e desgovernada urbanização e o uso desregulado de facilitadores como álcool, drogas e armas.

Corporações policiais e suas famílias têm sido usadas como importantes forças eleitorais, e isso muitas vezes faz com que políticos eleitos evitem lidar com questões-chave para a melhoria da segurança e para a modernização das corporações policiais, pois elas esbarram em fortes interesses corporativos.

A sociedade, em especial as elites, também tem a sua parcela de responsabilidade: não enxerga segurança como um bem público —e isso tem sérias implicações. Na contramão do que recomendam experiências internacionais bem-sucedidas, o Brasil aposta na segregação de espaços e de pessoas como “solução” para a segurança pública.

Optamos pelo caminho inverso ao da convivência. Com a falsa esperança de nos sentirmos mais protegidos, construímos muros, instalamos grades, limitamos experiências ligadas a lazer, educação e trabalho a áreas particulares, e quem pode pagar investe em segurança privada. Essas medidas, compreensíveis pela dimensão do medo da população, têm cunho individualista, não tornarão nosso país mais seguro e restringem nossa liberdade.

E, sem segurança, os altos índices de violência sofrida e percebida pela população acabam sendo terreno fértil para propostas mágicas (que não funcionam), que se resumem no famoso ditado: bandido bom é bandido morto. Isso também aumenta a tolerância com a brutalidade policial e coloca em xeque o uso legítimo da força —essência do Estado democrático de Direito—, e o contrato social. E assim normaliza-se a barbárie.

Neste sentido, a eleição de Jair Bolsonaro é, em parte, um produto da leniência e da negligência de décadas com a segurança pública e não a causa das tensões atuais. Porém, os problemas antigos tomam proporções mais amplas e cada vez mais graves nesse governo.

Atualmente há pelo menos três ameaças reais à democracia vindas do campo da segurança que se retroalimentam: a politização das polícias que se agrava a cada eleição; a liberação do porte e de mais calibres de armas —em especial para os caçadores, atiradores, e colecionadores, que encontram em seus membros mais radicais a base fértil para a formação das milícias civis armadas de apoio a um possível governo autoritário; e o resgate de doutrinas militares autoritárias adormecidas desde a ditadura por membros proeminentes de um governo altamente militarizado.

De um lado, se faz urgente uma resposta contundente dos Poderes da República para o fortalecimento do Estado democrático de Direito. De outro, cidadãos precisam eleger representantes preocupados com o bem público que abracem as reais soluções para a segurança pública como prioridade —a começar em 2020 pelos prefeitos. Só assim poderemos resgatar a esperança de um dia viver em um país seguro, justo e livre.

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