Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

Quem sabe faz a hora

Vamos continuar sentados assistindo ao desmonte das instituições?

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O perigoso desfecho da era Trump nos Estados Unidos traz lições que o Brasil não pode ignorar. A invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro, data da confirmação da eleição presidencial americana pelo Congresso, pode ter chocado o mundo, mas não foi nenhum acaso ou surpresa. Apoiadores radicalizados foram protestar em Washington DC, respondendo à convocação do próprio presidente, que os incita há tempos sob alegações infundadas de que as eleições foram fraudadas.

A essa altura, todos sabemos que qualquer semelhança com os atos no Brasil pelo fechamento do Congresso e do STF e os irresponsáveis questionamentos sobre a segurança das urnas eleitorais por Jair Bolsonaro não são mera coincidência. A menos que os líderes moderados do país formem já uma frente unida para fortalecer nossas instituições democráticas, o Brasil corre o risco de um colapso muito mais perigoso do que os dramáticos eventos em Washington na semana passada.

As condições para um grave retrocesso democrático no país estão criadas: um líder que desdenha da democracia, da imprensa independente e da sociedade civil, um grupo de partidários extremistas e armados —empenhados em resistir violentamente a seus "inimigos"— e a base leal de apoio ao presidente no aparato de repressão do Estado, em especial em segmentos das polícias e das Forças Armadas. Para piorar as coisas, temos um sistema de freios e contrapesos mais fraco do que outras democracias para evitar que a nossa caia no abismo.

Ao cobrar ações contundentes de atores políticos de diferentes matizes ideológicas, escutei em ocasiões distintas recentes que o tempo da sociedade é diferente do tempo da política, e que as condições para o fim da era Bolsonaro não estavam dadas. Mas será que isso não mudaria caso a prioridade que dão ao cálculo eleitoral fosse colocada atrás, e não à frente, do interesse público? Dessa forma, os tempos da política não se aproximariam do tempo real das necessidades e angústias da sociedade?

A disputa para a presidência da Câmara no Brasil é o fato atual mais consequente para a resistência democrática. Se o candidato governista for vitorioso, perderemos uma batalha fundamental. Se ele perder, tampouco temos a garantia de que as condições para que se interrompa a barbárie se darão sem pressão. A elite política está rachada, e parte dela ainda não está convencida —seja por dogmas perigosos ou por conveniência—, de que o governo Bolsonaro é uma real ameaça ao país. Além do centrão, a oposição também está dividida e isso só favorece o projeto autoritário e iliberal em curso.

A parcela da elite financeira que ainda acredita em milagres e sustenta o desgoverno de plantão também precisa cair na real. Não pode mais se abster de se posicionar contra a destruição ambiental, econômica, social e da reputação do Brasil. E, dado o que está em jogo, a elite intelectual precisaria tentar passar por cima de fortes ressentimentos e diferenças, mesmo que temporariamente, para inserir desafetos no diálogo para a construção de uma frente democrática. Só assim teremos chance de evitar um "remake" extremo das cenas de horror da semana passada nos Estados Unidos e suas consequências de longo prazo, que serão tão ou mais graves por aqui.

O que estamos esperando? Vamos continuar sentados, assistindo às tragédias de cada dia, ao desmonte e à subversão dos mandatos de instituições, ao fechamento acelerado do espaço cívico, e às acusações de novos crimes de responsabilidade, como que viciados nas cenas dos próximos capítulos? Ou atuaremos em conjunto agora, e no futuro, para reclamar nossa democracia para e pelo povo?

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