Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

A tirania do Brasil armado

Cabe ao Legislativo e ao Judiciário agir para impedir o plano tirânico em curso

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Os últimos quatro decretos de armas, emitidos pelo governo federal na calada da noite da sexta-feira de Carnaval, foram só mais um passo de um plano que vem sendo implementado desde janeiro de 2019, mas que é bem mais antigo. Quem acompanhou a carreira do então deputado Jair Bolsonaro nunca teve dúvidas de que o projeto de instituir a tirania do Brasil armado poderia ser testado.

Ao contrário do que diz o slogan superficial e equivocado entoado pelo presidente e seus súditos fiéis —de que um povo armado nunca será escravizado— a história mostra algo muito mais complexo. De fato, foram líderes autoritários como Benito Mussolini, Papa Doc, Hugo Chávez e Nicolás Maduro que criaram seus grupos paramilitares de estimação para se perpetuar no poder.

Desde a Grécia Antiga, teóricos como Aristóteles, Platão e Voltaire, descreveram características de um governo e de um líder tirano. Dentre as principais, destaco o abuso de poder, a crueldade, a ameaça a opositores, e por fim, a dominação através do medo e da violência. As três primeiras já estão plenamente em curso. E a quarta está logo ali. Explico.

A primeira característica, o abuso de poder, é evidente nos atos normativos sobre o tema. Foram 32 desde janeiro de 2019 —invasão de competência do Legislativo e ingerência direta, sem qualquer justificativa técnica, em normas do Exército. Em conjunto, desconstroem legislações e políticas de controles de armas do país. Os decretos que aumentam quantidade e potência de armas e munições beneficiam, em especial, grupos de extrema-direita de apoio ao presidente, e enfraquecem sobremaneira a já deficiente capacidade de fiscalização e controle de instituições como o Exército e a Polícia Federal, e de repressão e investigação de crimes violentos das polícias estaduais.

A crueldade, que vem em seguida, é marca registrada desse governo desde o seu início. A tirania do Brasil armado está sendo desenhada durante mais um período de ápice de mortes por Covid-19. Esta semana, o país ultrapassará a marca de 250 mil vítimas da doença. O plano está sendo também usado para desviar a atenção da falta de vacina e de todos os crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente na gestão da pandemia e além. Merece atenção a situação de cerca de 50 mil indígenas infectados, dos quais quase mil morreram. A falta de barreiras sanitárias permite que missionários, grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais levem a desinformação e a doença.

O terceiro atributo da tirania com o qual já estamos lidando são as ameaças a quem se opõe ao governo, cada vez mais generalizadas e mais graves. Instituições da República e segmentos da sociedade que atuam no espaço cívico são diariamente atacados, censurados, intimidados e perseguidos nas redes sociais e, cada vez mais, fora delas. Nos últimos meses, vimos o aumento significativo de ações de integrantes do sistema de segurança pública e justiça criminal que usam instrumentos legais de forma ilegítima para perseguir, assediar juridicamente e intimidar jornalistas, influenciadores e cidadãos que se posicionam publicamente contrários ao governo.

A quarta marca de um líder tirânico é a dominação coletiva através do medo, do terror e da violência para se manter no poder. Quando essa estratégia é, por fim, implementada, as violações das liberdades individuais e das leis se tornam a norma corrente. Como alertou o ex-ministro Raul Jungmann em sua carta aberta ao STF do último domingo, se a corte e o Congresso não agirem hoje para suspender a validade dos últimos decretos de armas, e também a de todos os anteriores, amanhã possivelmente será tarde demais. E não será por falta de aviso.

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