Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

Do guerreiro ao guardião

Pensar a valorização policial é fundamental para a melhoria da segurança pública

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Cruzamos mais um patamar inaceitável de mortes por Covid-19 no Brasil: já são mais de 400 mil pessoas mortas. Infelizmente a negligência e a incompetência fazem com que a vacinação avance a passos lentos. Em momento tão trágico, e de escolhas difíceis, não podemos deixar de valorizar os servidores que estão na linha de frente da implementação das políticas públicas.

A priorização da vacinação dos profissionais da saúde e da educação é imprescindível. Além desses dois grupos, os policiais civis e militares, que estão em contato direto com a população e são essenciais na garantia da segurança pública, também precisam dessa proteção. Segundo o Monitor da Violência, em 2020, 465 policiais morreram em decorrência do coronavírus.

Ser policial no Brasil vai além da profissão: torna-se parte da identidade, trazendo consigo uma série de características, estereótipos e estigmas. Na sociedade, é comum ver os policiais como super-heróis que não têm problemas, não sentem medo e não podem demonstrar fraqueza. Dos policiais, é exigido coragem, prontidão para enfrentar criminosos e nos salvar de perigos, sete dias por semana, 24 horas por dia.

Trata-se de um imaginário construído há décadas e que traz consequências sérias: tanto para a violência, quanto para o bem-estar dos próprios profissionais. Valorizar a imagem do guerreiro, que não precisa de maiores cuidados, agrava a situação. Não se discute que a coragem é um valor fundamental. Porém, existe um desequilíbrio entre a polícia que queremos e os valores que são enaltecidos nas polícias hoje. Onde fica a capacidade de escuta, o cuidado com o outro e o controle emocional indispensáveis para o bom serviço policial?

Para aprimorar a forma como o policial é valorizado e reconhecido no país, o Instituto Igarapé lançou, na semana passada, uma agenda para colocar a valorização policial como um dos pilares para uma política de segurança pública eficaz. As recomendações da agenda foram embasadas em uma pesquisa com as instituições de polícia militar e civil das 27 unidades federativas, que também inclui exemplos das práticas já adotadas por algumas corporações.

Chama atenção o fato de que 21 instituições que participaram do estudo — 40% do total — não têm programas de melhoria das condições de trabalho dos policiais. As ações voltadas à saúde e capacitação são pontuais. Além disso, quatro em cada dez instituições não possuem programas de atenção a policiais vítimas de violência.

Outro ponto que precisa ser discutido é que as políticas de reconhecimento dão uma ênfase muito grande aos atos de extrema coragem, grandes apreensões de drogas ou prisões. Sem equilibrar com outros aspectos também importantes do fazer policial, como, por exemplo, conseguir mediar e resolver conflitos cotidianos e assim desacelerar o nível de tensão de situações cotidianas.

Pensar a valorização policial é fundamental para a melhoria da segurança pública, e o policial precisa estar no centro dessa discussão. Os critérios de seleção, a capacitação continuada, a transparência dos critérios de promoção, e as políticas de cuidado que garantam qualidade de vida, fazem parte dessa equação. Os incentivos que recebe também, pois eles podem determinar o curso de ação do profissional.

Para que o policial possa cumprir sua missão de servir e proteger a população, se faz urgente valorizá-lo menos como guerreiro e mais como guardião. ​

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