O uso abusivo da força é característico de instituições e governos que não têm legitimidade, liderados por pessoas sem estatura para ocupar posições de comando, e que não fazem a menor ideia do que significa liderar e servir. No Brasil, historicamente estamos sujeitos aos desmandos de pessoas que buscam poder e benefícios próprios, ou para grupos privados, em detrimento de seu dever de avançar o interesse coletivo, o bem-estar e segurança da população.
A operação deflagrada na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, no último dia 24, e o assassinato por asfixia de Genivaldo de Jesus Santos, no Sergipe, são somente os casos mais recentes da histórica violência do Estado contra pessoas pobres, e em sua maioria negras, que nos condenam ao topo dos rankings de mortes violentas no mundo —há décadas.
A matança na zona norte fluminense só fica atrás da operação policial que ocorreu, ironicamente, no mesmo mês do ano anterior. Após um ano do massacre no Jacarezinho, a insistência neste modelo falido, que combate o crime pela via do confronto indiscriminado, fala por si só. O macabro ciclo da violência segue o seu curso. A letalidade permanece sendo a estratégia-chave do combate ao tráfico de drogas e crimes relacionados no Rio de Janeiro.
Vale relembrar o estudo realizado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro que evidenciou que a letalidade policial não tem qualquer relação com a redução de crimes contra a vida no estado. Em contrapartida, as perdas são imensuráveis. Segundo relatório do Geni/UFF, entre 2007 e 2021, 2.374 pessoas morreram em chacinas e operações policiais em comunidades da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Para além das vidas interrompidas, dos danos psicológicos duradouros, da suspensão dos serviços públicos essenciais, e do impacto no desenvolvimento de crianças expostas à violência, a cada chacina se esvai qualquer tentativa de restaurar a legitimidade e confiança entre policiais e comunidades.
Frustração sem tamanho para aqueles que lutam, de dentro e de fora das instituições, para construir políticas públicas eficientes e fortalecer corporações que atuem conforme seu papel em uma sociedade democrática. A covardia e a maldade dos que provocaram e presenciaram a morte lenta de Genivaldo seguem a mesma lógica e demandam as mesmas ações.
O choque de ordem que precisamos neste país é simplesmente fazer-se cumprir a Constituição. É fazer-se cumprir o papel das forças de segurança pública de proteger os cidadãos e de somente empregar a força de forma legítima e proporcional. É passar a mensagem, na prática, de que todos são iguais perante a lei —ninguém está acima dela, muito menos os agentes que são pagos para zelar por ela, e seus comandantes nas forças ou nos cargos de liderança do Executivo estadual e federal.
É tolice achar que avançaremos sem que esse passo mais básico seja dado pelo Estado. Quando a corrupção, o abuso da força, o desvio de armas, e tantos outros crimes e desvios de função —cometidos por parte de integrantes das forças de segurança e seus líderes políticos, e normalizados por parcela da população— não forem mais tolerados, conseguiremos combater o crime violento e o crime organizado, e assim sonhar em ser um país desenvolvido e respeitável.
Para tal, precisamos nos livrar de uma vez por todas dos falsos "salvadores da pátria", dos "homens fortes" que escondem suas abundantes fraquezas por trás de barbáries que envergonham e entristecem os brasileiros que defendem verdadeiramente a Pátria. Que Deus nos livre da força bruta, já que os homens no comando, erroneamente, se apropriaram de seu nome para instaurar o reino do terror em nossa nação.
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