Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

O país da força bruta

O choque de ordem de que precisamos é simplesmente fazer-se cumprir a Constituição

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O uso abusivo da força é característico de instituições e governos que não têm legitimidade, liderados por pessoas sem estatura para ocupar posições de comando, e que não fazem a menor ideia do que significa liderar e servir. No Brasil, historicamente estamos sujeitos aos desmandos de pessoas que buscam poder e benefícios próprios, ou para grupos privados, em detrimento de seu dever de avançar o interesse coletivo, o bem-estar e segurança da população.

A operação deflagrada na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, no último dia 24, e o assassinato por asfixia de Genivaldo de Jesus Santos, no Sergipe, são somente os casos mais recentes da histórica violência do Estado contra pessoas pobres, e em sua maioria negras, que nos condenam ao topo dos rankings de mortes violentas no mundo —há décadas.

Movimentação dos policiais no entorno da comunidade no dia seguinte da operação do Bope, da PF e da PRF na Vila Cruzeiro
Movimentação dos policiais no entorno da comunidade no dia seguinte da operação do Bope, da PF e da PRF na Vila Cruzeiro - Fabiano Rocha - 25.mai.22/Agência O Globo

A matança na zona norte fluminense só fica atrás da operação policial que ocorreu, ironicamente, no mesmo mês do ano anterior. Após um ano do massacre no Jacarezinho, a insistência neste modelo falido, que combate o crime pela via do confronto indiscriminado, fala por si só. O macabro ciclo da violência segue o seu curso. A letalidade permanece sendo a estratégia-chave do combate ao tráfico de drogas e crimes relacionados no Rio de Janeiro.

Vale relembrar o estudo realizado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro que evidenciou que a letalidade policial não tem qualquer relação com a redução de crimes contra a vida no estado. Em contrapartida, as perdas são imensuráveis. Segundo relatório do Geni/UFF, entre 2007 e 2021, 2.374 pessoas morreram em chacinas e operações policiais em comunidades da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Para além das vidas interrompidas, dos danos psicológicos duradouros, da suspensão dos serviços públicos essenciais, e do impacto no desenvolvimento de crianças expostas à violência, a cada chacina se esvai qualquer tentativa de restaurar a legitimidade e confiança entre policiais e comunidades.

Frustração sem tamanho para aqueles que lutam, de dentro e de fora das instituições, para construir políticas públicas eficientes e fortalecer corporações que atuem conforme seu papel em uma sociedade democrática. A covardia e a maldade dos que provocaram e presenciaram a morte lenta de Genivaldo seguem a mesma lógica e demandam as mesmas ações.

O choque de ordem que precisamos neste país é simplesmente fazer-se cumprir a Constituição. É fazer-se cumprir o papel das forças de segurança pública de proteger os cidadãos e de somente empregar a força de forma legítima e proporcional. É passar a mensagem, na prática, de que todos são iguais perante a lei —ninguém está acima dela, muito menos os agentes que são pagos para zelar por ela, e seus comandantes nas forças ou nos cargos de liderança do Executivo estadual e federal.

É tolice achar que avançaremos sem que esse passo mais básico seja dado pelo Estado. Quando a corrupção, o abuso da força, o desvio de armas, e tantos outros crimes e desvios de função —cometidos por parte de integrantes das forças de segurança e seus líderes políticos, e normalizados por parcela da população— não forem mais tolerados, conseguiremos combater o crime violento e o crime organizado, e assim sonhar em ser um país desenvolvido e respeitável.

Para tal, precisamos nos livrar de uma vez por todas dos falsos "salvadores da pátria", dos "homens fortes" que escondem suas abundantes fraquezas por trás de barbáries que envergonham e entristecem os brasileiros que defendem verdadeiramente a Pátria. Que Deus nos livre da força bruta, já que os homens no comando, erroneamente, se apropriaram de seu nome para instaurar o reino do terror em nossa nação.

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