Em outubro de 2018, publiquei uma coluna neste jornal intitulada "Feliz 2023!". Era quase véspera do segundo turno das eleições presidenciais daquele ano, e me senti na obrigação de alertar sobre a desconstrução que estava por vir. Fiz o exercício de imaginar como seriam os próximos quatro anos, sob um governo de um falso líder populista-autoritário que falava abertamente sobre suas (péssimas) ideias e intenções de desconstrução —para quem quisesse ouvir.
Construí um cenário básico para três temas que, a meu ver, sofreriam juntamente com nossa democracia revezes monumentais, que comprometeriam o desenvolvimento humano, social e econômico do Brasil por décadas. Eram eles, educação, meio ambiente e segurança. Infelizmente, eu não estava errada, diria que fui até cautelosa em meu modesto exercício preditivo, mas que passei longe de imaginar todas as dimensões e a escala do estrago deste desgoverno que chega finalmente ao fim.
Não poderia naquele momento prever a pandemia da Covid-19, e, portanto, não incluí a catástrofe humanitária agravada por um governo irresponsável e negacionista. No final de 2022, estamos chegando à marca de 700 mil mortes no país, a maioria das quais poderia ter sido evitada. Tampouco imaginei que a fome regressaria em larga escala, uma vergonha sem tamanho para um país produtor e exportador global de alimentos. Difícil encontrar palavras para expressar tamanha crueldade.
Nos últimos quatro anos, vimos também as desigualdades existentes se acentuarem sobremaneira. Conforme a pandemia se alastrava, o desgoverno promovia medidas anticientíficas e deixava as pessoas à mercê de sua própria sorte. Neste período, globalmente, os ricos ficaram mais ricos, e os pobres ficaram mais pobres. E isso não ocorreu apenas entre os países, mas também dentro deles. No Brasil e mundo afora há 4 bilhões de pessoas desprotegidas. E uma coisa é certa: não podemos deixá-las para trás.
Como mencionei em minha coluna anterior, é hora de olhar para frente e correr atrás do tempo perdido. É tempo de (re)construção. Os retrocessos e as perdas foram enormes, mas a sociedade despertou para uma cidadania ativa que será fundamental para enfrentar os desafios que temos pela frente. Precisamos nos preparar para uma incerteza radical e encontrar maneiras de construir solidariedade, confiança e ação coletiva em um momento de volatilidade, complexidade e de mudanças sem precedentes.
E só conseguiremos atravessar as tempestades que estão no horizonte se passarmos a escolher lideranças à altura de nossos desafios. Precisamos deixar para trás de uma vez por todas a ideia equivocada de que líderes são salvadores da pátria, pais ou mães, heróis ou mitos. Para além de votar certo, devemos aprender a apoiar nossos líderes quando estiverem no caminho certo e a cobrá-los com independência sempre que haja algum desvio de rota, exigindo que, além de terem as melhores intenções, usem o conhecimento de ponta disponível e reúnam os melhores times.
Meu desejo para o ano que se aproxima é que o novo governo —eleito com o apoio de lideranças de uma frente ampla, faça jus ao voto de confiança que recebeu. E que a minha predição final da coluna de outubro de 2018 esteja correta:
"Chegamos a 2023. Ufa. Que alívio. Passamos por anos terríveis, mas finalmente começamos a superar a polarização que quase destruiu nossa nação. Uma nova força se aglutinou na sociedade. (...) O Brasil é muito importante para falhar. E o povo entendeu isso. Conseguimos deixar as diferenças de lado e focar em nossos objetivos comuns."
Feliz 2023!
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