O Brasil enfrenta múltiplos desafios que se conectam: Congresso dividido, economia em recuperação, insegurança alimentar, crise ambiental na Amazônia. Subjacente a essas dificuldades está uma sociedade hiperpolarizada.
Neste contexto, os danos digitais amplificam os riscos, impactando o espaço cívico e as instituições democráticas. O Brasil é hoje uma espécie de laboratório de questões debatidas globalmente, com insights sobre oportunidades e desafios: como o papel e os limites do Judiciário e do governo, a responsabilidade das plataformas digitais, o impacto das regulações e o equilíbrio entre a liberdade de expressão e o enfrentamento aos danos digitais.
Danos digitais incluem atividades online maliciosas, como o autoritarismo e a vigilância digital, ataques cibernéticos, desinformação e discurso de ódio. São externalidades negativas dos bens comuns digitais, como a desinformação relacionada à Covid —que alimentou os movimentos antivax—, a desinformação climática —que mina a transição verde— e ataques contra instituições democráticas e eleições —que minam a confiança na democracia.
É preciso ter cuidado com o excesso de atribuição, pois há outros fatores que contribuem para a diminuição da confiança na democracia —como a frustração com as elites, desigualdade, inflação, altos níveis de corrupção e crime. Porém cientistas sociais já documentam as formas pelas quais os danos digitais podem ampliar o descontentamento, moldar preconceitos e mudar comportamentos.
Para entender como os danos digitais estavam minando a democracia no Brasil, o Instituto Igarapé, em parceria com o Democracia em Xeque, passou a monitorar e avaliar narrativas desinformativas online e seus reflexos no mundo offline no período eleitoral. Em resumo, há quatro mensagens principais.
Primeiro, a extrema direita superou em muito o engajamento digital de esquerda, de centro e da imprensa convencional. Segundo, o alvo muitas vezes são as próprias instituições eleitorais. Terceiro, danos digitais são acompanhados de violência crescente contra candidatos adversários, mídia e atores cívicos. E quarto, as principais instituições foram razoavelmente bem-sucedidas na reação.
Os esforços do governo precedem as eleições de 2022 e 2018. Um passo fundamental foi o Marco Civil —a declaração de direitos digitais aprovada em 2014 na sequência das revelações de Edward Snowden sobre o sistema de vigilância global dos EUA.
O Judiciário entrou em ação com o Programa de Enfrentamento à Desinformação de 2019 —tornado permanente em 2022—, a Comissão e o Observatório de Transparência Eleitoral de 2021, a Frente Nacional de Combate à Desinformação de 2022, entre outros. Recentemente, o Executivo criou a Secretaria de Políticas Digitais e a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, na Advocacia-Geral da União (AGU), para combater a desinformação "sobre políticas públicas".
Alguns desses esforços estão provocando um debate acirrado. Há preocupações com o excesso de influência do governo, bem como com a censura a oponentes de extrema-direita e ativistas de direitos digitais.
Está claro que os danos digitais não podem ser evitados e reduzidos apenas por meios digitais. Seu enfrentamento exigirá muito mais envolvimento dos Poderes da República, dos meios de comunicação e da sociedade civil.
Plataformas precisam ser mais responsáveis, o que implica mais regulamentação. Reduzir os danos digitais também requer abordar fatores estruturais que os impulsionam —da desigualdade econômica às questões de equidade social, passando pela educação digital nas escolas.
O sistema político brasileiro foi degradado pela profunda polarização a partir de 2013. Agora é a hora de revitalizar alianças pró-democracia, incluindo não só os partidos moderados mas toda a sociedade que busca reatar laços e salvaguardar nosso futuro.
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