Itamar Vieira Junior

Geógrafo e escritor, autor de "Torto Arado"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Itamar Vieira Junior

Bolsonaro faz nossas vidas girarem em torno do mal

Temos o dever de clamar por justiça em todos os espaços para honrar as vítimas da pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Faz alguns meses que recebi um convite para uma entrevista a ser veiculada em um jornal de grande circulação. Durante a conversa, que girava em torno do tema literatura, o jornalista confessou, informalmente, que a entrevista passaria pelo crivo do editor. Até aí considerei normal. Depois, ele completou que a intenção do editor era avaliar a necessidade de um contraponto caso eu criticasse o atual governo.

De imediato, respondi que não tinha a intenção de fazê-lo, mas o que ocorreu foi suficiente para me fazer refletir sobre algumas questões.

Primeiro, é o que se compreende por liberdade de imprensa. A princípio, não havia censura, mas só o fato de ser obrigatória uma avaliação do editor sobre o que eu falasse —apenas em relação ao atual governo e não sobre literatura, tema original da entrevista— coloca em xeque as definições usuais do conceito.

Ou seja, liberdade de imprensa é o que também é definido pelos veículos de informação —através de uma censura camuflada— e não apenas pelas acepções mais propagadas.

Segundo, é a onipresença do presidente da República em todas as esferas da vida social. Nos jornais, na TV, nas rádios, nos livros, nos programas de humor, nos eventos de toda ordem e nas conversas entre amigos, ele parece monopolizar atenções e discursos.

Sem que percebamos, sua imagem e suas decisões invadem nossas vidas. Parece que sua questionável relevância —muito mais pelo cargo que ocupa— cresce de maneira inversamente proporcional à importância que tem de fato.

Senti certa pretensão dos responsáveis pela entrevista, principalmente do tal editor que não conheço, de considerar que eu inevitavelmente falaria sobre o óbvio. Eu me esquivei e me esquivaria pelo simples fato de que não quero ocupar todos os espaços de minha vida falando sobre alguém com quem não tenho qualquer afinidade.

Um fantasma que se estende pelos quatro cantos do país, pairando sobre todas as minhas ações, encontros e tudo mais que esteja ao meu alcance. Tarde percebemos que a vida gira em torno do mal.

O mesmo ocorre, por exemplo, quando observo a arena política. Parece que não há muitas proposições e alternativas à caravana da destruição que atravessa o país. A crítica, que vem a propósito, é necessária e deve ser amplificada todos os dias, mas gostaria também de ouvir e ler sobre possíveis saídas para a imensa crise em que estamos mergulhados.

Ciro Gomes, que já foi um candidato propositivo em pleitos anteriores, resolveu se juntar à turba política instalada e desferir ofensas abomináveis sempre que tem oportunidade. Pergunte a qualquer pessoa sobre uma única proposta do pré-candidato para nos tirar do lodaçal em que nos encontramos e seu interlocutor certamente terá dificuldades de recordar.

Entretanto, o fato de não querer que o presidente da República ocupe um lugar central em nossas vidas tampouco significa que devamos esquecer tudo o que seu governo produziu: o ecocídio acelerado dos nossos biomas e das comunidades que os habitam, a tragédia da fome que parecia estar no passado e, principalmente, os crimes contra a humanidade cometidos durante a gestão da pandemia do coronavírus.

Tem sido muito bom ver o avanço da vacinação e a aderência dos brasileiros à campanha. Bom também ver as pessoas retornarem à vida, o acontecer de encontros que permaneceram suspensos por tanto tempo. Mas nesta sensação tão ansiada de bem-estar e segurança, se não estivermos vigilantes, reside o perigo do esquecimento e da impunidade.

Desejar justiça não é desejar vingança. Enquanto uma se ancora nos padrões civilizatórios de uma sociedade, outra carece de razão e transgride o pacto social coletivo. Clamar por justiça em todos os espaços públicos é um dever que temos para com as vítimas. Apenas honrando a memória desta tragédia poderemos impedir que crimes como este tornem a ocorrer.​

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.