Itamar Vieira Junior

Geógrafo e escritor, autor de "Torto Arado"

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Ciência enfrenta desafio de reconquistar espaço e aumentar inclusão

Produção de conhecimento precisa envolver saberes originários, quilombolas, ribeirinhos e das favelas

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Jaqueline Goes de Jesus

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Jaqueline Goes de Jesus, biomédica e pesquisadora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e do Instituto de Medicina Tropical da USP. A iniciativa é do Instituto Serrapilheira e da Maranta Inteligência Política.

A ciência, cujos benefícios para a humanidade eram, até tempos recentes, inquestionáveis, vem sendo atacada por movimentos negacionistas que ganharam projeção mundo afora nos últimos tempos, sobretudo no Brasil, pondo em xeque sua aplicabilidade e confiabilidade.

Afinal, o que é ciência? As definições são muitas, mas podem ser sintetizadas como o conjunto de conhecimentos sistematizados, advindos da observação, reflexão e experimentação e baseados em metodologias rigorosas. Podemos, por meio dela, desvendar e elucidar diversos fenômenos, separando o erro da verdade, a qual é passível de mudanças frente ao aparecimento de evidências que possam refutá-la.

Estrutura do Instituto Butantan, na zona oeste da capital paulista
Estrutura do Instituto Butantan, na zona oeste da capital paulista - Karime Xavier/Folhapress

Impulsionada por motivações políticas, a negação da ciência entre nós tem sido usada como ferramenta de manipulação das massas, tirando o foco dos problemas reais que o país enfrenta. O mesmo avanço tecnológico que permitiu o acesso à informação, facilitado pelas redes sociais, serve de munição para a desinformação.

Ao ser atropelado pela pandemia de Covid-19, o mundo viveu um dos períodos mais críticos de sua história recente.

Para além da crise sanitária que se instalou em todos os continentes, com a rápida dispersão de um vírus para o qual não existia tratamento nem estratégias de prevenção em massa, fomos também atingidos por um mal conhecido como infodemia: o excesso de informações, precisas ou não, associadas a um tópico específico, que ao se multiplicarem exponencialmente, numa velocidade espantosa, dificultam a checagem de fontes idôneas e confiáveis.

A infodemia tem levado boa parte da população a acreditar em informações cientificamente refutadas por inúmeras evidências metodológicas. Ressalte-se que seu uso para fins de manipulação não começou com a pandemia —arrisco dizer que se trata de um projeto de desvio da atenção das pessoas com a finalidade de eleger políticos cujo objetivo é basicamente o enriquecimento ilícito.

A criação e o compartilhamento em massa de notícias que estruturalmente parecem verdadeiras, mas, em seu cerne, são falsas, acabam por gerar o caos que mascara as intenções de seus disseminadores.

Como as fake news fazem tantas vítimas? Para entender o fenômeno, precisamos examinar o sucateamento das instituições responsáveis por educar, estimular e promover o pensamento crítico. O esboroamento da educação, aliado à distância que as próprias categorias da ciência impõem à comunidade geral, contribuiu para o empobrecimento intelectual e a capacidade de reflexão dos brasileiros.

Com isso, as fake news encontram terreno fértil para se proliferar, e as pessoas acabam tendo a falsa sensação de conhecimento e especialização em determinado assunto.

Está mais que claro que o Brasil precisa de reconstrução. Pois bem: como a ciência pode contribuir para essa tarefa? A ciência brasileira é extremamente competente e produtiva, não há dúvida, mesmo com a falta de estrutura, incentivo e valorização.

Diante do cenário atual, porém, ela precisa antes de mais nada reconquistar seu espaço como instituição geradora de conhecimento baseado em evidências. Mas isso precisa se dar sob uma nova óptica, menos soberba e sobretudo mais inclusiva.

É preciso primeiro envolver a sociedade civil, em especial as comunidades, detentoras de uma epistemologia que tem sido ignorada ao longo dos anos —me refiro aos saberes dos povos originários, dos quilombolas, dos ribeirinhos, e também das favelas nos grandes centros urbanos. A construção do conhecimento, a ser feita em parceria com a sociedade civil, deve estar intimamente relacionada às necessidades da população.

O conhecimento científico aguça o pensamento crítico e a capacidade de discernir entre informações embasadas e meras opiniões, fortalecendo a habilidade de perceber as fragilidades de um sistema, seja ele político, econômico ou social, e oferecendo ferramentas para o questionamento e mudanças da ordem vigente.

É a aliança entre academia e sociedade que irá promover a retomada de crescimento. Investir na ciência é investir também no desenvolvimento econômico do Estado, que por sua vez acarretará uma mudança de mentalidade política, assim retroalimentando o fortalecimento da própria ciência.

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