Ivan Marsiglia

Jornalista e bacharel em ciências sociais, Ivan Marsiglia é autor de “A Poeira dos Outros”.

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O desabafo de Moro no Twitter

Rede repercutiu novas mensagens entre ex-juiz e procuradores

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#PulitzerdeTaubate, #SomosTodosMoro, #MoroSuaCasaCaiu, #OPavaoVoltou, #PavaoDepenado, #Faustao e #VenezuelaLibre foram apenas algumas das hashtags que escalaram os Trending Topics do Twitter brasileiro na última semana. Resultado das novas revelações da Vaza Jato, primeiro na capa da revista Veja, depois na terceira leva de reportagens da parceria Folha-The Intercept Brasil.

 
O ambiente de polarização na rede refletiu com fidedignidade a pesquisa Datafolha sobre o caso, divulgada no domingo (7). Os números mostraram o tamanho do racha nacional: enquanto 58% dos brasileiros afirmam ser inadequada a conduta do então juiz Sergio Moro, outros 54% consideram justa a condenação do ex-presidente Lula.

A reportagem que levou a crise da Vaza Jato a um patamar internacional, com a exposição das mensagens em que Moro lança a Deltan Dellagnol a ideia de vazar a delação sigilosa da Odebrecht para causar embaraço ao governo venezuelano, inicialmente ganhou uma resposta protocolar do ministro da Justiça, reiterando que “não reconhece a autenticidade das supostas mensagens obtidas por meios criminosos”.

Mais tarde, porém, ele desabafou no Twitter: @SF_Moro “Novos crimes cometidos pela Operação Lava Jato segundo a Folha de São Paulo e seu novo parceiro, supostas discussões para tornar públicos crimes de suborno da Odebrecht na Venezuela, país no qual juízes e procuradores são perseguidos e não podem agir com autonomia. É sério isso?” 

O argumento pareceu a admissão inequívoca de que, para Moro, os fins justificam os meios.

Amigos à parte 

O clima na plataforma esquentou tanto que causou rompimentos entre colegas jornalistas e artistas. Na sexta-feira (5), o diretor do site Catraca Livre criticou a entrevista de um apresentador da TV Cultura, que rebateu. @GDimenstein “Não esperava ouvir de um comunicador tão qualificado como @MarceloTas um comentário tão irresponsável e leviano sobre o jornalista @ggreenwald. Não esperava que se aliasse às milícias digitais contra o jornalismo.”

@MarceloTas “Pena você ter mudado tanto, caro Gilberto de agente de discernimento para aproveitador da polarização e do caça-cliques. De milícia digital você entende já que dirige o Catraca Livre, que tem uma reputação que dispensa comentários.”

Sábado (6), o tuíte de um ator global militante do PT —fazendo referência ao assassino e à mãe da atriz Daniella Perez, morta em 1992— recebeu resposta furiosa da novelista da casa, simpatizante do bolsonarismo. @zehdeabreu “O Brasil está tão doido que vemos Guilherme de Pádua e Glória Perez apoiando o mesmo espectro político! Que tempos!”

@gloriafperez Replying to @zehdeabreu “Você é muito canalha! Não vou revidar lembrando sua tragédia pessoal. É Block e mais nada!” Abreu desculpou-se depois, dizendo ter feito apenas uma constatação: “Não tive intenção de magoar você”. Ficou sem resposta.

Memória de Marielle 

Dona de um dos perfis de maior repercussão no Twitter, a jornalista e escritora Eliane Brum tem 261 mil seguidores. Entre os posts que publica na conta, divulgando textos de sua coluna no site do El País ou comentando o noticiário brasileiro e internacional, um tuíte praticamente idêntico se repete todos os dias, há mais de um ano.

O tuíte, cujo texto sofreu uma única modificação significativa ao longo desse tempo e conta os dias desde o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, chegou a um número redondo no último domingo: 480.

@brumelianebrum “480 dias. Quem mandou matar Marielle? E por quê?” 

“Não lembro exatamente quando começou”, conta Eliane em entrevista a esta coluna: “Foi logo depois do crime (ocorrido dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro). Eu estava voltando de Anapu, no Pará, onde aconteceu em 2005 o assassinato da Dorothy Stang. Tinha constatado lá que a situação havia se tornado muito mais grave do que nos tempos da Dorothy. Havia uma trilha de camponeses mortos e uma lista de marcados para morrer circulando na cidade. Dois dias antes tinha sido assassinada uma liderança quilombola em Barcarena (PA). Era este o contexto do país naquele momento, e este era o meu entorno. Quando soube que Marielle tinha sido assassinada, de imediato tive a sensação de que o país tinha acabado de mudar. Um limite havia sido rompido, um que se conectava com tudo o que eu tinha acabado de ver em Anapu e saber em Barcarena”.

Eliane conta que o tuíte cobrando das autoridades o esclarecimento do crime foi postado todos os dias desde então. “Como sou eu mesma que faço, não delego pra ninguém, acho que algumas vezes aconteceu de eu estar na floresta amazônica sem nenhuma possibilidade de conexão. Mas em geral, dou um jeito. Já fiz esse tuíte nas situações mais complicadas. Fiz pedindo telefones emprestados para estranhos. Fiz no meio da floresta, com conexão por rádio. Fiz no Quênia, atrasando uma expedição. E nos mais variados fusos. Às vezes levo um susto porque penso que esqueci. Aí vou conferir e tinha lembrado. Desde que comecei, é a primeira coisa que faço todos os dias da minha vida”, diz.  

A única modificação no texto ocorreu no dia em que foi anunciada a prisão dos dois suspeitos de terem executado Marielle, quase um ano depois de seu assassinato, o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz – que semana passada foram transferidos para a Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia, por razões de segurança.

“O que vai revelar o crime é saber quem mandou matar e por quê. Então é fundamental continuar perguntando.” O tuíte recebe uma média de 5 a 7 mil curtidas diárias e comentários que vão de elogios a xingamentos à jornalista. Mas ela diz que vai mantê-lo enquanto os mandantes não forem identificados e esse capítulo trágico da história brasileira, esclarecido.

“Essa escandalosa demora na apuração do crime aponta para o quão fundo ela pode chegar, e o quanto ela pode revelar”, afirma Eliane Brum. “Deveríamos todos, todos os dias, exigir a apuração do assassinato de Marielle. Eu faço a minha pequena, bem pequena mesmo, parte. Fico lá com o meu cartaz. Quando o Bolsonaro assumiu o poder, tornou-se ainda mais importante lembrar. O bolsonarismo é um projeto de destruição da memória. Lembrar, fazer memória, em todas as áreas, é um ato fundamental de resistência ao autoritarismo que se instala no Brasil”.

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