O presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sisi, descreveu na semana passada como “um gol” o acordo com uma empresa israelense para entrega, a parceiros no Cairo, de 15 bilhões de dólares em gás natural.
O negócio e a reação presidencial exemplificam sinais de uma mudança, ainda em seus primórdios, de percepção de elites árabes sobre Israel, em função de realidade imposta pelo século 21.
A venda de gás natural já contribui para transformar relações entre Israel e Egito, signatários do primeiro tratado de pacificação entre o Estado judeu e um país árabe.
Com o acordo de Camp David, de 1979, os vizinhos passaram a viver sob uma “paz fria”, ou seja, sem a um conflito armado, mas com vínculos rarefeitos nos campos econômico e social.
O gelo nas relações bilaterais vai derretendo. Também se intensificam laços de Israel com outros personagens da região, como Arábia Saudita, embora limitados a contatos não oficiais, pois inexistem relações diplomáticas para endossar diálogos formais entre os dois países.
Há décadas, o mundo árabe convive com a narrativa de que sua principal tragédia, no século 20, corresponde à independência de Israel.
De Marrocos ao Iraque, elites dirigentes, partidos e grupos religiosos exploram o conflito israelo-palestino como fator diversionista, ao insistir na ideia de que a partilha aprovada pela ONU, em 1947, concentra a gênese do desafio primordial a ser enfrentado por seus países.
A disputa entre israelenses e palestinos representa capítulo tragicamente sangrento da história recente do Oriente Médio, e sua solução desponta como necessidade urgente. É fundamental responder às legítimas aspirações de soberania dos dois povos, para que possam viver lado a lado, em paz e em segurança.
Porém, ao longo dos anos, o conflito israelo-palestino tem sido usado como cortina de fumaça por governos árabes, mais interessados em mobilizar suas populações para rejeitar resultados da Partilha da Palestina do que em vê-las questionando seus regimes autoritários e economicamente ineficientes, apesar da riqueza oferecida pelo petróleo.
O século 21, no entanto, coloca em xeque tal lógica. A Primavera Árabe, onda de protestos iniciada em 2010 e responsável pela erupção de guerras e derrubadas de governos, demonstrou a atual inviabilidade de manutenção de estruturas sociais congeladas indefinidamente.
O petróleo também exibe, no cenário econômico, relevância cadente. Para elites árabes, a fórmula de manutenção de poder do século 20 começa a se esboroar.
A fim de enfrentar desafios como a mudança de matriz econômica e a necessidade de geração de empregos, Arábia Saudita e Egito passam a enxergar em Israel, fornecedor de tecnologia e inovação, um eventual aliado.
A aproximação ocorre também no tabuleiro de disputas regionais. Sauditas, egípcios e israelenses compartilham a rivalidade com o Irã, empenhado em ampliar influência em países da região.
Existem, no radar do século 21, fatores com potencial para renovar o cenário do Oriente Médio e fazer de antigos inimigos, novos aliados.
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