Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky
Descrição de chapéu Xi Jinping Rússia

Xi e o fantasma do PC soviético

Em vez de oxigenar partido, líder preferiu a ortodoxia; falou mais alto trauma vindo da Rússia

O líder chinês, Xi Jinping, participa da abertura do evento que emendou a Constituição do país para que ele tenha mandatos indefinidos
O líder chinês, Xi Jinping, participa da abertura do evento que emendou a Constituição do país para que ele tenha mandatos indefinidos - Ng Han Guan/Associated Press

A 6 de novembro de 1991, o presidente russo, Boris Ieltsin, assinava o decreto 169, para banir o Partido Comunista da URSS, em meio à onda frenética de desmonte do império criado pelos bolcheviques. Um mês depois, o ieltsinismo capitaneou a desintegração da União Soviética e ceifou a carreira política de seu principal rival na luta pelo Kremlin, Mikhail Gorbatchov.

Quando chegou ao poder, em 1985, Gorbatchov iniciou um projeto para reformar o regime comunista e levou um aliado, Boris Ieltsin, à cúpula moscovita.

A aliança, no entanto, transformou-se em duelo político e, com importante apoio militar e popular, prevaleceu o ieltsinismo, apoiado na ideia de impor mais velocidade à perestroika (reestruturação, em russo) e, ao final, implodir o antigo sistema.

A debacle soviética esculpiu trauma profundo em outro partido comunista, o da China. Na época, voltou a reverberar entre mandarins vermelhos o slogan "a URSS de hoje é a China de amanhã", brandido originalmente na década de 1950, os anos dourados da parceria entre Moscou e Pequim.

Nos anos 1990, a elite dirigente chinesa elegeu como prioridade esquadrinhar a meteórica desintegração soviética. O país já vivia a mudança idealizada por Deng Xiaoping, em 1978, em rota oposta à de Gorbatchov: liberalizar a economia, sem alterar o monopólio de poder do PC. Em Moscou, remodelava-se sobretudo a política, com ampliação de liberdades individuais.

Mas, além da diferença na origem, estrategistas do PC chinês buscavam outras explicações. Despontava como desafio de sobrevivência política compreender ventos responsáveis por esmigalhar o império criado, em 1917, por Vladimir Lênin.

Em dezembro de 2012, pouco depois de se tornar secretário-geral do PC, Xi Jinping reaqueceu o debate, em discurso distribuído a ativistas partidários. O dirigente, referindo-se ao naufrágio soviético, alertava para a importância do controle político sobre militares e de "liderança firme", sem riscos de fraturas no cume da estrutura de poder.

Após clara referência à disputa Gorbatchov-Ieltsin, Xi continuou a implementar estratégia de afastar rivais, concentrar poderes e sinalizar perpetuação no comando do país. Amealha apoio, entre lideranças partidárias, ao agitar o fantasma do colapso do PC da URSS.

Na ânsia de resguardar o projeto de poder do partido, Xi aprofunda o paradoxo chinês. No universo econômico, promete manter crescimento, agora alicerçado no binômio inovação e tecnologia, ingredientes fundamentais do século 21. Defende ainda expansão e consolidação do mercado consumidor doméstico. No campo político, no entanto, insiste em apertar amarras.

Teóricos do Partido Comunista, na era Xi Jinping, despejam textos sobre a necessidade de a China bloquear a importação de "valores ocidentais". O clichê, porém, não resiste à limitação geográfica, com o registro de avanços democráticos em países orientais, como Coreia do Sul e Taiwan.

Em vez de oxigenar o PC chinês, Xi preferiu a fórmula da ortodoxia. Falou mais alto o trauma vindo de paragens russas.

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