Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Bola de cristal erra no Oriente Médio

Disparates sobre a desaparição de Israel, embora irreais, fortalecem radicalismos

Um jato da Força Aérea Israelense sobrevoa um evento em que bandeiras lembram os 70 anos de fundação de Israel
Um jato da Força Aérea Israelense sobrevoa um evento em que bandeiras lembram os 70 anos de fundação de Israel - Ahmad Gharabli 19.abr.18/AFP

Israel, em meio às cerimônias de 70 anos de sua fundação, insiste em desafiar contínuas e fracassadas previsões sobre a inviabilidade do Estado judeu. No último sábado, o major-general Abdolrahim Mousavi, chefe do Exército iraniano, engordou a lista histórica de devaneios, repetiu retórica ensaiada em Teerã e calculou "o fim do regime sionista em 25 anos".

Desde a partilha da Palestina, decidida pela ONU a 29 de novembro de 1947, num passo anterior à independência israelense ocorrida no ano seguinte, inimigos da ideia do direito judaico a exercer sua soberania em terras ancestrais enfileiram argumentos e datas para alimentar quiméricas profecias sobre o fim de Israel. 

No Irã, o governo revolucionário dos aiatolás, no poder desde 1979 e a carregar em seu DNA a rejeição aos EUA e a Israel, passou, recentemente, a trombetear a aposta na extinção do Estado judeu "em 25 anos". Em 2012, o líder máximo iraniano, Ali Khamenei, imaginou um horizonte sem o "regime supérfluo e falso do sionismo".

Desabou, em seguida, o disparate sobre o prazo calculado. Em 2015, o aiatolá Khamenei mencionou 25 anos como "limite" para a existência do inimigo, numa cifra repetida, em 2017, pelo major-general Mousavi, a bradar a mesma retórica no final de semana.

Discursos sobre um futuro sombrio são frequentemente disparados contra alvos israelenses. Nos anos 1950, o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser despejava verbosidades incendiárias, a acompanhar conflitos bélicos envolvendo países da região. "Nosso objetivo básico será destruir Israel", discursou, a 26 de maio de 1967, o líder pan-arabista.

Na década de 1970, ecoava o raciocínio de Nikita Kruschov, líder soviético derrubado num golpe palaciano em 1964. Do Kremlin, ele desenhou planos para o Oriente Médio na lógica binária da Guerra Fria e ajudou a solidificar aliança estratégica com países árabes.

Em suas memórias, Kruschov, que morreu em 1971, classificou como "ilusórias" vitórias militares de Israel e sustentou a impossibilidade de sobrevivência de um pequeno país cercado por um mar de hostilidade.

Lideranças palestinas do grupo fundamentalista Hamas, por exemplo, também falam em Israel como "regime passageiro", ignorando raízes históricas do judaísmo e comparando a presença israelense na região a eras extintas, como a dominação otomana e o colonialismo britânico. 

A bola de cristal prometendo desfazer premissas da resolução 181 das Nações Unidas, responsável pela partilha da Palestina, é acionada essencialmente em dois campos políticos: o do fundamentalismo religioso, como exemplifica o regime iraniano, e o da esquerda dogmática, ainda a cultivar teses desenhadas na lógica maniqueísta da Guerra Fria.

Disparates sobre a desaparição de Israel, ainda que distantes da realidade, contribuem para tensionar o já complexo cenário do Oriente Médio e para fortalecer posições radicais, em ambos os lados do conflito. Tais palavras, a existir desde os primórdios da disputa, deviam "ser jogadas ao mar", em nome do avanço de processos de diálogo e de paz.

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