Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Vietnã no Oriente Médio

Conflito israelo-palestino passou por 'vietnamização', com batalhas assimétricas entre guerrilhas e soldados

Manifestantes palestinos enfrentam soldados israelenses durante protesto perto da fronteira de Gaza com Israel
Manifestantes palestinos enfrentam soldados israelenses durante protesto perto da fronteira de Gaza com Israel - Khalil Hamra - 6.abr.18/Associated Press

Lentes da história, ferramenta imprescindível para analisar tragédias do Oriente Médio, descortinam mais um capítulo da "vietnamização" do conflito israelo-palestino.

Nas últimas semanas, o grupo fundamentalista Hamas mobilizou milhares de civis na faixa de Gaza, levou-os a manifestações próximas à fronteira com Israel e ameaçou derrubar a cerca a separar os territórios. Em meio à violência, houve queima de pneus e lançamento de coquetéis molotov.

Na reação israelense, morreram 29 palestinos, segundo fontes de Gaza. O Exército de Israel afirmou ter impedido tentativas de desmantelar a cerca. O Hamas cantou vitória, e seu líder, Yahya Sinwar, prometeu realizar uma "marcha de mártires" até Jerusalém.

O roteiro sangrento da guerra assimétrica volta a manchar o Oriente Médio. Trata-se de um modus operandi em curso sobretudo nos últimos 45 anos, responsável por milhares de mortos, em sua esmagadora maioria civis. É a "vietnamização" do conflito israelo-palestino.

De 1948, ano da independência israelense, a 1973, Israel e inimigos se enfrentaram principalmente em guerras simétricas, ou seja, nos confrontos entre forças armadas regulares. Soldado contra soldado, helicóptero contra helicóptero.

Após mais uma derrota, na Guerra do Yom Kippur, em 1973, lideranças árabes constataram a inviabilidade da opção militar tradicional para rechaçar o Estado judeu. E, desde então, conflitos simétricos se afastaram do horizonte israelense.

Passou a prevalecer a "vietnamização" do cenário, com reinado de batalhas assimétricas. O modelo adveio da Guerra do Vietnã, exemplo clássico de vitória de um lado militarmente mais fraco (vietcongues) sobre uma potência (EUA).

Os vietcongues desenharam mecanismos para desgastar a estratégia de Washington perante a opinião pública americana e internacional. Imagens de destruição, mortes de civis e de militares dos EUA alimentaram o movimento antiguerra, pressionando a Casa Branca pela retirada, ocorrida em 1973. 

Ataques contra Israel, depois da Guerra do Yom Kippur, vieram no modelo assimétrico, ao mobilizar, por exemplo, táticas de guerrilha, quando não se planeja vitória no campo militar, mas na arena política e da opinião pública. Tropas israelenses, nas últimas décadas, se viram às voltas com duas intifadas (levantes palestinos) e guerras com grupos fundamentalistas e paramilitares, como é o caso do Hamas e do libanês Hizbullah.

Nos confrontos, inimigos de Israel arquitetam desafios à segurança da maior potência bélica regional, como lançamento de foguetes ou atentados terroristas. Não almejam, no entanto, êxito militar. Buscam, com cenas de violência e mortes de civis, amealhar triunfo no plano político, ao provocar isolamento diplomático e desgaste na imagem do inimigo. Assim como fizeram os vietcongues com os EUA.

Diante do dilema de escolher entre segurança ou política, Israel, embalado por sua experiência histórica, prioriza o primeiro. Enquanto sobreviver a lógica da "vietnamização" do conflito, israelenses e palestinos permanecerão, tragicamente, distantes de um cenário de paz.

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