Rebentos da Guerra Fria, as ditaduras cubana e norte-coreana, cientes da tarefa de remar contra o relógio da história, buscam construir, cada uma à sua maneira, transição “lenta, gradual e segura”, ainda a fim de afastar o fantasma do chamado cenário romeno.
Em 1989, o ditador Nicolae Ceausescu, ignorou ventos mudancistas e acabou fuzilado, em meio a uma revolta popular.
Análises sobre o caso caribenho se esfalfam a decifrar o significado da permanência de Raul Castro à frente do Partido Comunista e das Forças Armadas, após Miguel Díaz-Canel chegar à presidência. Leituras mais pessimistas se apressam em apontar refluxo nas reformas.
No caso norte-coreano, observadores se esforçam para decodificar o termo “desnuclearização” no léxico de Kim Jong-un. Significaria apenas congelar o programa atômico ou efetivamente desmantelá-lo?
Os questionamentos, em ambos os casos, são pertinentes. No entanto, não podem ofuscar a sinalização mais relevante: a admissão do esgotamento do sistema político, econômico e social.
Havana e Pyongyang já lançaram a proclama e buscam agora negociar e administrar processos arquitetados para impedir terremotos sociais e para preservar interesses e privilégios de integrantes do futuro “ancien régime”.
Em dezembro de 2014, ao restaurar laços diplomáticos com os EUA, o regime cubano implodiu um dos principais pilares ideológicos a sustentá-lo, escancarou a debacle do castrismo e passou a administrar uma etapa derradeira, do ponto de vista histórico. O processo certamente testemunhará idas e vindas, mas o governo acusou, como no pugilismo, o golpe da história.
Em abril, Kim Jong-un se tornou o primeiro líder norte-coreano a visitar o arqui-inimigo do sul.
Do ponto de vista simbólico, Pyongyang admitiu a dianteira política, econômica e social de Seul, e se dispôs a inaugurar um árduo processo de negociação, permeado de ciladas e desafios.
Também haverá ziguezagues na transição de horizontes ainda enevoados, mas o regime norte-coreano, assim como o cubano, abriu uma caixa de Pandora.
No outro extremo do espectro ideológico, o apartheid, regime de segregação racial da África do Sul, rendeu-se ao relógio da história ainda no final do século 20.
Em 1990, o então presidente F. W. de Klerk, representante da minoria branca, admitiu a falência do sistema, simbolizando-a por meio da libertação de Nelson Mandela, líder do Congresso Nacional Africano, cuja tarefa seria negociar a transição à democracia e evitar uma guerra civil.
Tensas conversações consumiram quatro anos. Houve episódios em que o diálogo flertou com a total ruptura. Mandela e De Klerk, no entanto, conseguiram superar crises e enterraram o apartheid.
No próximo ano, completam-se trinta anos da queda do Muro de Berlim, ícone da dissolução da Guerra Fria. Cuba e Coreia do Norte resistem como últimos bastiões de regimes típicos daquele período histórico, mas seus líderes, por meio de atos simbólicos, admitiram o fracasso. Resta agora a difícil etapa de negociar a passagem ao século 21.
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