Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Do urso de pelúcia ao supercomputador

China ensaia ameaça à liderança dos EUA em inovação 40 anos após reformas

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A guerra de tarifas entre EUA e China, com espiral sobre produtos trocados entre as duas maiores economias do mundo, desnuda a visão mercantilista do presidente Donald Trump, preocupado sobretudo em diminuir o déficit americano na balança comercial. Mas a ofensiva também é movida por uma preocupação crescente na Casa Branca: como reagir à ascensão chinesa no universo da inovação e tecnologia, em desafio inaudito à liderança global de Washington.

Em dezembro, as reformas chinesas completam 40 anos. Parece difícil assimilar que a ponte para o futuro seja capitaneada pelo mesmo Partido Comunista do Grande Salto Adiante, trágico programa de industrialização acelerada implementado por Mao Tse-tung, entre 1958 e 1962. Ao desestruturar a frágil economia chinesa, alicerçada na agricultura, o projeto da ortodoxia comunista provocou onda de fome responsável pela morte de dezenas de milhões de pessoas.

Na cúpula do partido, no início dos anos 1960, vozes dissonantes se manifestaram em relação aos devaneios vermelhos do maoísmo. Um dos críticos se chamava Deng Xiaoping, veterano militante com visões heterodoxas e pragmáticas. Perseguido durante a Revolução Cultural (1966-76), auge da sanha maoísta, amargou exílio interno e retornou a Pequim para, em 1977, após a morte de Mao, alcançar o poder, com apoio decisivo de líderes militares.

Deng mudou o curso da história contemporânea. Com sua alquimia, de injetar economia de mercado num sistema político ferreamente controlado pelo Partido Comunista, remodelou a China e contribuiu decisivamente para o redesenho do cenário internacional. O chamado “socialismo com características chinesas”, numa fase inicial baseada em mão de obra barata e investimento estrangeiro, transformou o país mais populoso do planeta numa gigantesca plataforma de exportações.

Brinquedos, roupas, eletrônicos e calçados, entre outros produtos de baixo custo, inundaram mercados internacionais. “Made in China” virou sinônimo de mercadoria de baixo custo e qualidade duvidosa. Ondas de pirataria resultavam em produtos toscamente copiados. Em meio ao crescimento econômico acelerado, a China se urbanizou com velocidade meteórica. Em meados dos anos 1990, cerca de 80% da população ainda vivia no campo. Em 2017, o índice já havia despencado para 43%.

A China alcançou a condição de segunda maior economia do mundo em 2010, ao desbancar o maior rival na região, o Japão. Previsões apontam o PIB chinês alcançando o americano em 2029, caso os países mantenham atuais ritmos de crescimento econômico.

A renda per capita americana, no entanto, continuará, com folga, à frente da chinesa. Os EUA deverão manter sua hegemonia, no entanto, cada vez mais ameaçada pelo avanço de Pequim.

Futurologia à parte, impressiona olhar pelo retrovisor a velocidade e a profundidade das mudanças num país de 1,4 bilhão de habitantes, cerca de 20% da população global. Passou, em menos de meio século, de um cenário predominantemente agrário a uma economia com setores de tecnologia de ponta, passando por intensa industrialização.

Também preços altos entraram na conta das reformas, como repressão política, sufocamento de direitos individuais e degradação ambiental, entre outros.

Mas a China, conhecida antes por exportar ursinhos de pelúcia, hoje hospeda o supercomputador mais veloz do planeta. Os EUA se perguntam como enfrentar a ascensão chinesa. Trump prefere, no curto prazo, a batalha comercial.

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