Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Armadilha ronda laços Brasil-Israel

Relações entre os países não devem ser reféns de agendas partidárias

As relações entre Brasil e Israel, maltratadas por décadas, embalam perspectivas de cooperação sem precedentes. O século 21, faminto por inovações e alimentos em escala mastodôntica, agradece a parceria. Uma armadilha, no entanto, ronda o horizonte diplomático: tornar os laços bilaterais reféns de agendas partidárias ou de ciclos eleitorais.

Ninguém em sã consciência, preocupado com as sociedades brasileira, israelense e global, pode querer minar sinergia intensa entre um quase continente fecundo no agronegócio e uma pequena “ilha” pródiga em tecnologia. As possibilidades de parceria extravasam para áreas como educação, energia e segurança.

Jair Bolsonaro e Binyamin Netanyahu, num casamento ideológico, carregam a responsabilidade de lançar as bases de um relacionamento capaz de resistir a ciclos eleitorais e vagas partidárias, inerentes ao jogo democrático. Traduzindo: espera-se que a aproximação entre Brasília e Jerusalém não flutue ao sabor das marés de governos, mas se transforme em política perene, imune a leituras de direita ou de esquerda.

E um olhar mais detido sobre a história desmonta raciocínio interessado em colocar os governos esquerdistas brasileiros como principais responsáveis pela deterioração e por perdas de oportunidades em aprofundar laços com Israel. Foi exatamente sob a ditadura militar no Brasil que ocorreu um dos momentos mais trágicos da dança diplomática.

Em 1975, o governo brasileiro votou na ONU pela aprovação da malfadada resolução 3379, empenhada em descrever o sionismo, movimento judaico por um lar nacional, como forma de racismo. A ditadura militar curvava-se à pressão anti-Israel, aliava-se ao bloco terceiro-mundista e negava ao povo judeu o direito elementar à soberania.

No cenário latino-americano, apenas Cuba e México votaram como o Brasil. O chanceler Azeredo da Silveira implementava o chamado “pragmatismo responsável”, colecionador de atritos com Washington, como reconhecimento da independência dos pró-soviéticos países africanos lusófonos, laços com a República Popular da China e acordo nuclear com a Alemanha Ocidental.

O Brasil, embora ancorado no porto norte-americano da lógica binária da Guerra Fria, desenvolvia diplomacia “independente”. Dava de ombros, em vários fóruns, à dependência ideológica em relação aos EUA no enfrentamento com a URSS.

Em 1991, após o ocaso da Guerra Fria, a ONU recuou de um de seus momentos mais sombrios e anulou a resolução equiparando sionismo a discriminação racial. E o Brasil, já na redemocratização e sob o governo Collor de Mello, desempenhou papel-chave ao figurar entre os patrocinadores da revogação do voto de 1975.

A guinada do Brasil à esquerda, sobretudo a partir do governo petista, representou outra etapa de tensionamento nos laços com Israel. Sob o viés de estimular o multilateralismo e as relações sul-sul, a diplomacia brasileira se transformou em mais um vetor a engordar a estratégia dos inimigos de Israel de isolá-lo.

Iniciativas lulistas, como viagem a solo israelense e assinatura de acordo comercial Mercosul-Israel, foram incapazes de diluir o mal-estar de outras ações, como o tapete vermelho em Brasília para o iraniano Mahmoud Ahmadinejad.

Um balanço histórico, portanto, aponta para momentos nefastos em que a superideologização, à esquerda ou à direita, sabotou os laços bilaterais. Espera-se que Brasil e Israel, apoiados no pragmatismo, superem limites ideológicos e construam vínculos duradouros, em cenário de gigantesco potencial.

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