Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

China muda estratégia e investe no debate internacional

Regime se submete a entrevistas sem aprovação prévia, antes impensáveis

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Em novembro passado, adentrei o consulado chinês em São Paulo para participar de evento organizado em torno de uma delegação da Escola Central do Partido Comunista, um dos mais prestigiosos templos de formação de lideranças para o regime liderado pelo presidente Xi Jinping. 

Um dos professores, em meio a uma agenda cultural e gastronômica, falou sobre o momento histórico do país e, em seguida, colocou-se à disposição para responder às perguntas dos jornalistas.

A cônsul-geral da China em São Paulo, Chen Peijie, também subiu ao palco para esclarecer dúvidas. A conversa sobre os rumos do país mais populoso do planeta navegou por campos como economia, política e relações com o novo governo do Brasil.

O script pode parecer banal aos olhos de frequentadores de festins diplomáticos. No entanto, em um passado recente, era praticamente impossível testemunhar representantes do regime chinês enfrentando uma saraivada de questionamentos sem aprovação, a priori, do teor das investidas jornalísticas.

Construção de uma ponte sobre o rio Nujiang, no sudoeste da China - Xinhua-9.dez.2018

O contraste me impressionou. Desembarquei pela primeira vez na China em 1994, para iniciar um período de três anos como correspondente da Folha. À época, entrevistar figurões do regime chinês significava um contato por escrito ou participar de uma cerimônia com roteiro rígido e mal ensaiado, devido à aprovação prévia de perguntas.

Retornei recentemente ao país a convite do China International Publishing Group, editora de diversos sites e publicações em idiomas estrangeiros, incluindo a brasileira China Hoje. No grupo, jornalistas e acadêmicos a rodar sobretudo pelo sul chinês, área de impressionante decolagem econômica, e a participar de encontros, por exemplo, com funcionários dos departamentos de comunicação de governos locais e representantes de empresas da área de tecnologia.

E, de novo, as conversas transcorreram sem arranjos prévios ou temas intocáveis. Um importante dirigente da Gree, destaque mundial na produção de aparelhos de ar condicionado, improvisou entrevista coletiva no saguão da sede da empresa, sem preocupação com formalidades ou com linhas vermelhas a encaixotar a troca de informações.

Quarenta anos depois de iniciadas as reformas, o regime chinês demonstra disposição inaudita a participar de debates na arena pública internacional. A abertura, naturalmente, contrasta com a mão de ferro do governo no plano doméstico, onde o Partido Comunista controla o fluxo de ideias na mídia, nas redes sociais, entre outros universos.

Com crescente influência no cenário global, a China decidiu ampliar sua participação na esgrima pela construção de imagem junto à opinião pública ocidental. Ela sabe que sua crescente presença como investidor em outros países coloca na ordem do dia, cada vez mais, o debate sobre o relacionamento com Pequim.

E o regime chinês decidiu sair de uma posição defensiva para participar ativamente do debate global. Como argumentos, demonstra conquistas como a vitalidade econômica, a diminuição da pobreza e os avanços tecnológicos, para defender o déficit democrático na vida de uma população de 1,4 bilhão de habitantes.

No curto prazo, Pequim sonha em replicar, apesar da gigantesca diferença de escala, a fórmula autoritária da bem-sucedida economicamente Singapura. No entanto, no longo prazo, basta olhar para Coreia do Sul e Taiwan, para entender como a democracia também pode se instalar em países que, num passado recente, atravessaram décadas sob a mão forte de seus governos.

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