Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Venezuela no tabuleiro geopolítico

China e Rússia salvam Nicolás Maduro de olho na Ásia e na Ucrânia

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O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, conversa com o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, durante exercício militar - Palácio de Miraflores/Reuters

Ao lançar boias salva-vidas à ditadura de Nicolás Maduro, China e Rússia buscam evitar perdas econômicas com uma mudança de regime em Caracas, mas trazem também para o tabuleiro geopolítico crises geograficamente distantes, como a da Ucrânia, do mar do Sul da China e até mesmo a guerra comercial entre Pequim e Washington.
 
Xi Jinping e Vladimir Putin exercem, em paragens sul-americanas, o jogo clássico das potências interessadas em desvelar capacidade de resposta a iniciativas dos EUA.

Nicolás Maduro, em setembro, ecoou momentos da Guerra Fria em visita a Pequim, ao chamar a nação anfitriã de "irmã mais velha". Soviéticos e maoistas, em lua de mel vermelha nos anos 1950, descreviam os laços entre os dois países como "fraternidade entre um irmão mais velho e um mais jovem". No caso, a URSS como primogênito, e a China como caçula.

Disputa por liderança do chamado movimento comunista internacional e rivalidades históricas, entre outros fatores, transformaram, sobretudo a partir da década de 1960, as juras de amor em uma contenda colossal. Moscou e Pequim terminaram a Guerra Fria em polos antagônicos.

De volta ao foco venezuelano: ao se reunir com Xi Jinping, Maduro repetiu expressões de uma cartilha surrada. Buscava garantir o balão de oxigênio oriental, pois a China desponta como principal credor de Caracas. Em cerca de dez anos, foram mais de US$ 50 bilhões, com intensa cooperação na área petrolífera.

A China teme, com novo regime na Venezuela, perder recursos, contratos e influência econômica. Porém, ao estender a mão a Maduro, Xi também sinaliza a Trump sua capacidade de incomodar os EUA em uma zona de influência importante para Washington, como o Caribe e a América do Sul.

Contaminada pelo nacionalismo e o protecionismo trumpistas, a Casa Branca optou por tensionar a relação com Pequim. A guerra comercial deslanchada em 2018, com imposição norte-americana de tarifas sobre importações chinesas, atravessa um cessar-fogo, com negociações assombradas pelo limite de 1º de março. Caso não haja acordo, Trump promete nova rodada de sanções contra produtos da China.

Washington também tensiona os laços bilaterais à medida que Pequim aumenta presença militar no estratégico mar do Sul da China. Trump costuma fazer acenos a Taiwan, ilha independente e sob pressão de Pequim para uma reunificação.

De Moscou, a Venezuela também surge como alternativa para imposição de uma pedra no sapato dos EUA. Vladimir Putin enxerga em Caracas não apenas um parceiro comercial, para venda de armas e cooperação no mundo do petróleo, mas também uma oportunidade de retaliar o que o Kremlin interpreta como sua principal derrota geopolítica desde o fim da URSS: a crise da Ucrânia.

Em 2014, depois de séculos na esfera de influência de Moscou, Kiev se movimentou em direção a Washington e a Berlim. O Kremlin entende a Ucrânia, além de considerar laços históricos e econômicos, como importante zona-tampão para impedir a chegada, a suas fronteiras, de tropas da Otan, aliança militar liderada pelos EUA.

Putin, que se arvora a missão de "recuperar o poder do Kremlin" depois da debacle dos anos 1980 e 1990, engoliu, com a mudança em Kiev, derrota fragorosa e reagiu com a anexação da península da Crimeia e o apoio a separatistas no leste da Ucrânia. O conflito já matou cerca de 10 mil pessoas.

Enquanto os EUA apoiam o governo ucraniano, Putin proporciona sobrevida a Maduro. Seria melhor Washington e Moscou dialogarem sobre o impasse, para estancar as tragédias venezuelana e ucraniana.

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