Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Regime iraniano e repressão aos cães

Laço com pets é visto como sórdida influência ocidental e vira alvo de autoridades

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São Paulo

O regime teocrático iraniano, empenhado em comemorar os 40 anos de sua implantação, arquitetou intensa agenda neste início de mês, com cerimônias a mobilizar os principais dirigentes do país, a inundar a TV estatal com mensagens anti-EUA e anti-Israel e com anúncio, pela polícia de Teerã, de nova ofensiva revolucionária: proibir cães de estimação de circular em carros e em espaços públicos da cidade.

Aiatolá Ali Khamenei fala em Teerã, no Irã, em 14 de setembro de 2007
Aiatolá Ali Khamenei fala em Teerã, no Irã, em 14 de setembro de 2007 - Morteza Nikoubazl/REUTERS

Hossein Rahimi, máxima autoridade policial na capital iraniana, asseverou as medidas em conversa com uma agência de notícias estatal, no final de janeiro. “Lidaremos severamente com as pessoas que passearem com seus cães em locais públicos”, disse ele.

Não é a primeira vez que regimes ideologicamente insensatos canalizam sua ira a um dos mais incríveis laços entre duas espécies, o homo sapiens e o canis lupus familiaris. A China de Mao Tse-tung, por exemplo, rotulava como “desprezível hábito burguês” o benfazejo convívio com cães.

A teocracia iraniana, iniciada em 1979, após a derrubada da ditadura do xá Reza Pahlevi, sustenta sua cartilha ideológica na rejeição a sociedades democráticas. “Amizade com os cães é uma imitação cega do Ocidente”, declarou, certa feita, um dos principais dirigentes do Irã.

Ao impor limites ao mundo canino, aiatolás argumentam também se basear em tradições religiosas, segundo as quais o cão seria considerado “impuro”. Cães de guarda e de pastoreio, segue a lógica, são tolerados. Mas, como companhia, representariam “sórdida influência ocidental”.

A mão pesada do regime, dirigida a opositores, mulheres, minorias religiosas e sexuais, não conseguiu obliterar a relação humano-canina no país.

Leis para proibir o animal de estimação em locais públicos e em carros existem há anos, mas frequentemente são ignoradas, por policiais e tutores. “No Irã, passear com o cão corresponde a um símbolo de resistência”, cravou, em título, reportagem publicada no britânico The Guardian, em 2013.

O brigadeiro-general Hossein Rahimi lança nova onda repressiva ao mundo pet em momento politicamente agudo, com a intensificação de sanções norte-americanas a Teerã. E os tutores são, mais uma vez, envolvidos no xadrez político: “Atravessamos dificuldades econômicas, mas os amantes de cães gastam bilhões de dólares a cada ano em ração para cachorro”, bradou Hamidreza Taraghi, liderança de conservadores iranianos. “Precisamos do dinheiro para questões mais importantes”.

Em novembro, os Estados Unidos impuseram nova rodada de punições econômicas contra Teerã, levando o Fundo Monetário Internacional a prever uma contração de 3,6% do PIB iraniano em 2019. Donald Trump, no ano passado, abandonou o acordo nuclear de 2015 entre o Irã e potências globais, e reforçou a pressão, para exigir mais restrições a atividades atômicas, fim do programa de mísseis balísticos e da participação iraniana nas guerras da Síria e do Iêmen.

O presidente americano segue, no dossiê iraniano, rota oposta à de Barack Obama, adepto do diálogo como ferramenta para obter a moderação do regime dos aiatolás. Avesso a negociar com Teerã, Trump opta por isolar e pressionar, política e economicamente, o Irã.

No curto prazo, a estratégia da Casa Branca fortalece o discurso de setores mais radicais na elite dirigente do Irã, como sinalizam declarações do chefe da polícia de Teerã. O governo pode espernear e resistir ainda algum tempo, mas o relógio da história corre contra a existência de um regime completamente fora de sintonia com o século 21.

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