Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Demonização de Pequim e Moscou

A estabilidade global depende de relações equilibradas com China e Rússia

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Cantilenas enjoadas, embaladas por visões refratárias à globalização e por saudosistas da Guerra Fria, insistem em contaminar debates sobre as relações do chamado mundo democrático com a China e a Rússia. 

Alimentadas pelo assombroso crescimento econômico chinês e pela assertividade da política externa russa, leituras fóbicas e preconceituosas buscam sabotar estratégias desenhadas para construir laços equilibrados, apesar das inevitáveis dificuldades, com Pequim e Moscou.

Proliferam análises sobre o "onipresente neoimperialismo chinês" ou o "imanente expansionismo russo". Não se trata de ignorar a história, disputas e rivalidades, ingredientes profusos em roteiros da geopolítica, ou de deixar de criticar evidentes atitudes imperiais de Xi Jinping ou de Vladimir Putin.

Porém, alquimistas diplomáticos interessados em incendiar mecanismos de cooperação multilateral adoram bradar sobre uma "inviabilidade estrutural em cooperar com a China e a Rússia, devido a antecedentes históricos na relação com o Ocidente". 

Segue a lógica maniqueísta: não há deténte possível, mas apenas a via da contenção dos dois gigantes no cenário internacional.

Pequim e Moscou, centro de impérios multiétnicos, certamente protagonizaram em suas trajetórias históricas episódios abomináveis de expansionismo e violência, em cardápio semelhante ao escrito por outros imperialismos, como o americano, britânico, francês, germânico, entre outros.

Ao construir seu império, Moscou promoveu impressionante expansão territorial, com conquistas responsáveis por moldar o maior país do mundo. A União Soviética, que se desintegrou em 1991, correspondia a cerca de um sexto das terras emersas do planeta.

A China também alargou fronteiras em sua história milenar. E, na era pós-imperial, ditaduras soviética e maoísta ceifaram ainda a vida de dezenas de milhões de pessoas, com massacres de "inimigos de classe", como agricultores ou empresários, ou "nacionalistas contrarrevolucionários", como tibetanos e tártaros, entre outras minorias.

No entanto, roteiros lúgubres registrados a partir de Moscou e de Pequim também enfileiram agressões e atrocidades cometidas por inimigos externos. Como exemplos, no cenário russo, a invasão napoleônica de 1812, e o ataque nazista, de 1941. A Segunda Guerra Mundial provocou a morte, entre civis e militares, de 22 a 28 milhões de soviéticos. 

Pequim também registra em sua história momentos dramáticos na relação com potências agressoras. O colonialismo britânico, por exemplo, patrocinou as guerras do ópio no final do século 19 para forçar a venda da droga, com intuito de diminuir o déficit na balança comercial com o decadente império chinês, de quem Londres comprava seda, chá e porcelana.

A decadência chinesa também abriu brechas ao expansionismo japonês, responsável por invasões em 1894, 1931 e 1937. Tais capítulos funestos da história da China contabilizaram a morte de mais de 20 milhões de civis e testemunharam atrocidades como o Massacre de Nanquim, de 1937-38.

No mundo contemporâneo, visões contrárias à globalização promovem uma espécie de demonização da China e da Rússia, apontam de forma seletiva momentos históricos e, deliberadamente, obliteram alguns capítulos trágicos vividos pela população desses dois países. 

A estabilidade global depende de relações equilibradas entre os principais polos de poder. Demonizar Pequim e Moscou não contribui para um melhor entendimento das complexas demandas do atual momento histórico.

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