Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

EUA, China e a nostalgia

Proliferam medidas e declarações que elevam temperatura entre os dois países

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Em meio a um capítulo tenso no remodelamento do cenário geopolítico pós-Guerra Fria, EUA e China protagonizam uma guerra comercial ainda em seus primórdios, com idas e vindas nas negociações, mas com ingrediente minaz: o choque de nacionalismos apoiados em visões nostálgicas.

Táticas e declarações de negociadores escancaram o elemento político a contaminar o embate entre as duas maiores economias do planeta.

Três décadas atrás, a queda do Muro de Berlim enterrava a era da bipolaridade entre Washington e Moscou. A China, naquele momento histórico, ensaiava seus primeiros passos rumo à recuperação do status de potência global, após dois séculos de decadência.

Com a debacle soviética e as reformas chinesas idealizadas por Deng Xiaoping na fase inicial, os EUA navegaram como capitão inconteste no mundo unipolar. A Casa Branca respirava ares de euforia, ao declarar vitória na Guerra Fria, ao embalar crescimento econômico trepidante nos anos do democrata Bill Clinton (1993-2001) e ao implementar o unilateralismo do republicano George W. Bush (2001-2009).

A avassaladora supremacia política, econômica e militar emanada por Washington levou o chanceler francês Hubert Védrine a lançar em 1999 a expressão “hiperpotência”, para descrever o status imperial norte-americano.

A crise financeira internacional de 2008-9 transformou-se em divisor de águas do mapa geopolítico contemporâneo. Escancarou desequilíbrios na economia dos EUA e resgatou a importância da China como motor do crescimento global.

Em 2016, a campanha eleitoral de Donald Trump, sob o slogan “Make America great again”, se esbaldou na nostalgia de um passado recente e seduziu sobretudo setores da classe média prejudicados pela desindustrialização e pela fuga de empresas e empregos para fronteiras do capitalismo asiático, em especial para a China.

 

Cantos nostálgicos permeiam também o projeto político do presidente chinês, Xi Jinping, e do Partido Comunista desde o início das reformas, em 1978. Abandonado por seu retumbante fracasso, o projeto marxista-leninista foi substituído por decolagem baseada em doses de economia de mercado e cartilha ideológica nacionalista, voltada a recuperar à China o status de potência global, experimentado em diversos momentos na história, mas dissolvido pelas crises vividas entre os séculos 18 e 20.

O South China Morning Post, importante jornal de Hong Kong, trouxe a visão de Susan Thornton, ex-diplomata norte-americana, sobre um motivo para os recentes recuos nas negociações entre Washington e Pequim, que teria rejeitado a divulgação de documento com compromissos sobre metas na política comercial. “Eles [os chineses] não querem que pareça que alguém está ditando os termos”, declarou ela.

Enquanto há escassez de detalhes sobre a esgrima do diálogo nos bastidores, proliferam medidas e declarações elevando a temperatura do embate entre os dois países. Tarifas adicionais de importação já foram impostas por ambos os lados. Trump, na semana passada, anunciou restrições à atuação, nos EUA, da Huawei, empresa chinesa de telecomunicação.

Xi, sem mencionar a contenda com os norte-americanos, discursou na última quarta: “É bobagem acreditar que uma etnia ou civilização é superior a outras”. Dias depois, Wang Yi, o chanceler, exortou Washington a “não ir muito longe”.

Em junho, Trump e Xi participarão de reunião do G20, no Japão. Espera-se um encontro entre eles, para estancar a marcha dos nacionalismos nostálgicos. A estabilidade global depende desse acerto.

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