Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Enquanto EUA debatem estratégia no Oriente Médio, chineses e russos ocupam espaços

Para Trump, muro na fronteira com México é mais importante que conflito na Síria

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Em reflexo incontornável das características do século 21, o Oriente Médio abandona o cenário da hegemonia unipolar, desenhado pelo monopólio geopolítico dos EUA na região, e embarca na multipolaridade, com crescente influência de China e Rússia.

Pergunta que surge é se a desidratação do poderio norte-americano ocorrerá em um processo gradual, como sinalizou Barack Obama, ou no modo acelerado, como sugeriu o apetite isolacionista do presidente Donald Trump.

Ao anunciar a retirada de soldados da Síria, no começo do mês, Trump mencionou o desejo de “terminar o envolvimento norte-americano em guerras intermináveis”. Cantou melodia cara aos ouvidos de seu eleitorado mais fiel, fã do “America First”, mantra entoado desde a campanha à Casa Branca.

Para o “trumpismo raiz”, os EUA devem priorizar temas domésticos e recuar de questões globais, numa percepção isolacionista responsável por desdenhar da importância de o país cultivar a condição de potência hegemônica global.

Trump ilustra essa visão ao sustentar que a construção de um muro na fronteira com o México é mais importante do que manter a parceria, na Síria, com os curdos, aliados fundamentais na guerra contra o Estado Islâmico.

Ao aumentar o volume do isolacionismo diplomático, Trump gerou forte reação interna, da oposição democrata a republicanos refratários à ideia de encurtar as asas da hegemonia global.

Mas, de qualquer forma, a prevalência de Washington no Oriente Médio se desbota, à medida em que avançam as incursões de Pequim e de Moscou.

O apogeu do intervencionismo norte-americano na região, nas primeiras décadas pós-Guerra Fria, se verificou na era do republicano George W. Bush. A invasão do Iraque, em 2003, simbolizou essa estratégia.

Com Barack Obama, surgiram mudanças. O radar diplomático, afetado pela crise financeira de 2008-2009, pela ascensão chinesa e pela perda global de importância do petróleo, apontou a necessidade de uma reorientação: diminuir presença no Oriente Médio para aumentar esforços na região China-Índia.

O giro foi batizado de “pivô para a Ásia”.

A redução da presença norte-americana em paragens médio-orientais, portanto, se verifica desde o governo Obama, mas sob ideário distinto da gestão atual.

Enquanto os democratas defendem a globalização e pregam reordenar a presença dos EUA no cenário internacional, Trump, inspirado por sonhos isolacionistas e antiglobalizantes, flerta com uma era desenhada por barreiras e protecionismo econômico.

Enquanto os norte-americanos debatem sua estratégia no Oriente Médio, a multipolaridade se encastela na região. Chineses e russos ocupam espaços crescentes.

A China, desde 2010, intensifica investimentos e comércio com o mundo árabe. Transformou-se num dos maiores compradores de petróleo do golfo Pérsico e constrói ainda sólida parceria com Israel, baseada em tecnologia e infraestrutura.

A Rússia, após a intervenção militar na Síria em 2015, passou a ser o personagem principal no cenário político do país árabe.

Nesta semana, Vladimir Putin recebeu tapete vermelho na visita a tradicionais aliados dos EUA, como Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, de cujo líder, o príncipe Mohammed bin Zayed, ouviu a frase: “Estamos conectados por uma profunda relação estratégica”.

O peso dos EUA no Oriente Médio se altera de forma inexorável. A mudança, no entanto, não se dará na velocidade desejada por Trump.

A intensa rejeição à decisão de retirada das tropas da Síria, capaz de unir setores dos partidos democrata e republicano, demonstrou os obstáculos ao sonho isolacionista.

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