Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Na China, mais Confúcio e menos Marx

Nos 70 anos do regime, Partido Comunista abandonou devaneios sobre paraíso vermelho

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Na terça-feira, ao comemorar os 70 anos de sua chegada ao poder, o Partido Comunista chinês exagerou na estética maoísta, com parada militar no estilo da Guerra Fria, com faixas e dizeres saídos de cartilhas vermelhas e com o dirigente Xi Jinping envergando jaqueta no modelo celebrizado por Mao Tse-tung.

A festa, apesar das tintas que remetem a meados do século 20, recorreu ao principal combustível ideológico responsável por impulsionar a China na sua impressionante decolagem: o nacionalismo e o resgate da cultura tradicional.

Mao, ao vencer a guerra civil contra os nacionalistas em 1° de outubro de 1949, vendia a promessa de “construir o paraíso proletário na Terra”. A repressão e as políticas econômicas obtusas mataram dezenas de milhões de chineses e trouxeram mais isolamento e pobreza, em declínio a castigar a China desde a última dinastia, a Qing, enterrada em 1911.

Após a morte de Mao, em 1976, a cena política foi dominada por Deng Xiaoping, líder comunista cuja visão era talhada por ricas doses de pragmatismo. A nova era significava o abandono da ortodoxia maoísta, a adoção de reformas econômicas e a manutenção do poder político sob controle férreo do PC.

No sistema batizado de “socialismo com características chinesas”, o regime introduziu mecanismos antes vilificados, como lei da oferta e demanda, incentivo ao consumo e abertura à propriedade privada. A alquimia denguista sufocou a retórica do maoísmo, de “construção do paraíso proletário”.

O Partido Comunista, o mesmo de Mao e Deng, precisou renovar fontes ideológicas, para endossar a opção pelas reformas. Apesar de manutenção da ortodoxia comunista em áreas como o regime de partido único, a bússola dos mandarins se orienta basicamente pelo nacionalismo e pelo resgate de elementos da cultura tradicional chinesa.

Em seu discurso na terça-feira, Xi destacou a ideia de a criação da República Popular da China significar o fim de “mais de cem anos de humilhação e sofrimento”, referindo-se ao período marcado, por exemplo, por agressões trágicas cometidas por potências como Japão e Reino Unido. Na recente festança na Praça da Paz Celestial, o tom nacionalista dividiu espaço com adereços comunistas.

O PC chinês, portanto, alterou sua “missão histórica”. Abandonou devaneios sobre paraíso vermelho e assumiu a tarefa de recuperar à China a condição de potência global, tarefa arquitetada para 
“enterrar os anos de humilhação e vergonha”.

Na fusão ideológica do século 21, Xi Jinping resgata personagens e pensamentos banidos nos tempos da ortodoxia maoísta. Exemplo dos novos tempos é o papel do filósofo Confúcio (551 aC-479 aC), responsável por nortear a sociedade chinesa durante séculos, com seus conceitos sobre moral, política e educação, entre outros temas.

Para Mao Tse-tung (1893-1976), a influência de Confúcio representava a China feudal e, portanto, deveria ser banida, em nome da chegada do “brilhante futuro proletário”. A Revolução Cultural (1966-1976), período de radicalização das teses maoístas, golpeou ainda mais o confucionismo, com queima de livros e destruição de referências ao pensador responsável por moldar também outras sociedades orientais.

Antes proibidos, livros confucionistas hoje proliferam em Pequim. Xi, em 2014, definiu-os como “solo cultural que alimenta o povo chinês”. Descreveu o pensamento ancestral como chave para “compreensão das características nacionais chinesas”. Ou seja, 70 anos depois do triunfo da Revolução Comunista, mais Confúcio e menos Marx.

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