Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Fadado ao fracasso, plano de Trump para o Oriente Médio tem méritos

A proposta deve se desmanchar por não incluir os palestinos no processo de elaboração

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Fadado ao fracasso, por não envolver em sua elaboração uma das partes envolvidas no conflito, o trombeteado plano de paz de Donald Trump para o Oriente Médio, rotulado pela Casa Branca como o “acordo do século”, guarda, no entanto, méritos. Funciona como ferramenta para aferir a temperatura da contenda israelo-palestina e permite registrar, a partir de perspectivas históricas, algumas conclusões.

Vale jogar luzes sobre essencialmente duas delas, uma para o lado israelense e a outra, para o palestino, ausente no processo de confecção de um plano, que, ao ignorar uma das partes, funciona essencialmente como declaração política, a explicitar uma das visões para lidar com um dos vários embates do conflagrado Oriente Médio.

O presidente Donald Trump, à dir., e o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, durante anúncio do plano de paz na Casa Branca, em Washington
O presidente Donald Trump, à dir., e o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, durante anúncio do plano de paz na Casa Branca, em Washington - Mandel Ngan - 28.jan.2020/AFP

O projeto arquitetado por Jared Kushner, “primeiro-genro” da Casa Branca, escancara um diagnóstico histórico: o rotundo fracasso das lideranças palestinas com sua estratégia, ao longo de pelo menos sete décadas, de apostar, inicialmente, na via militar e, depois, no chamado “maximalismo”, rejeitando seguidamente propostas colocadas sobre a mesa desde o fim da Guerra Fria.

A conclusão é simples e lógica. Basta comparar os parâmetros desenhados pela Casa Branca com propostas de Israel apresentadas em 2000 e em 2008. Se as ideias israelenses fossem transformadas em um gráfico, a curva, do ponto de vista palestino, poderia ser um traço cadente, já que cada pacote representou diminuição do escopo das condições ofertadas.

Em 2000, na esteira do processo de paz de Oslo, o premiê Ehud Barak, um trabalhista apoiado por Bill Clinton, ofereceu o mais ousado pacote de concessões israelenses. O líder palestino, Yasser Arafat, avaliou a proposta como insuficiente.

Em 2008, o primeiro-ministro Ehud Olmert, do partido centrista Kadima, com respaldo de George W. Bush, apresentou nova oferta de paz, incluindo alguns dos pontos mais sensíveis do conflito, mas em abrangência menor do que o plano elaborado por Ehud Barak. O líder palestino, Mahmoud Abbas, avaliou a proposta como insuficiente.

Em 2020, o premiê Binyamin Netanyahu, do direitista Likud, endossa arquitetura desenhada pela Casa Branca, em condições, para os palestinos, muito mais desfavoráveis do que as apresentadas por Barak ou Olmert.

A ampliação da foto histórica também coloca a liderança palestina em cores desfavoráveis. A estratégia da rejeição aterrissou já em 1947, quando da oposição à partilha aprovada pela ONU e da opção pela via armada, com a invasão, em 1948, de Israel por uma coalizão de exércitos árabes.

Ou seja, ao se avaliar a estratégia da liderança palestina, por um prisma de sete décadas ou dos últimos 20 anos, é inescapável rotulá-la como fracassada. A construção de um Estado palestino, viável, depende de profunda revisão dos caminhos trilhados por Arafat e Abbas.

A proposta da Casa Branca também deixa outra mensagem clara, agora ao lado israelense. Nos últimos anos, com prolongamento do conflito, setores linha-dura da direita em Israel intensificaram discurso contra a existência de um Estado palestino, sustentando a ideia de apenas um país entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo.

Porém, até mesmo o desenho de Trump, aliado-mor de Netanyahu, não consegue ignorar a necessidade da criação de um Estado palestino, ainda que sejam discutíveis contornos e características de tal país.

A proposta de Washington deve se desmanchar, ao não incluir os palestinos no processo de elaboração. Mas serve, sem dúvida, como ferramenta para analisar tendências históricas a modelar um dos mais complexos conflitos do Oriente Médio.

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