Reuven Rivlin, presidente de Israel, olha provavelmente com inveja para o legado de um de seus antecessores, Chaim Herzog.
Em 1984, Herzog contribuiu para a costura de momento relevante na trajetória política do país: adversários históricos em parceria, num governo de união nacional. Esforços de Rivlin, para repetir o modelo, se desmancham no ar.
No cenário israelense atual, modelado pela hiperpolarização, os rivais Binyamin Netanyahu e Benny Gantz inviabilizam uma coalizão entre seus partidos. Israel atravessa grave turbulência política.
Pela primeira vez, os eleitores foram três vezes às urnas em apenas 11 meses, a última na segunda-feira (2). Motivo: nenhum dos blocos consegue amealhar o número de deputados necessário para montar o governo e apontar o primeiro-ministro.
Como a Knesset (Parlamento) contabiliza 120 deputados, o número mágico é 61, correspondente à metade mais uma das cadeiras, fórmula para alcançar maioria parlamentar e formar o governo.
Nunca um partido israelense obteve mais de seis dezenas de eleitos, o que faz de alianças ingrediente básico da política local.
Resultados da última votação indicam o bloco da direita e dos movimentos religiosos, liderado pelo premiê “Bibi” Netanyahu, com 58 cadeiras.
Partidos de centro, de esquerda e da comunidade árabe somam 55 e, em diferentes graus, apoiam o oposicionista Benny Gantz. Restam ainda sete parlamentares do partido Israel Nossa Casa.
Seu líder, Avigdor Lieberman, poderia decidir o impasse, ao optar por um dos blocos. Lieberman rompeu com aliados históricos direitistas ao rejeitar a influência crescente dos partidos religiosos e hesita na hora de compor com a esquerda, por defender a linha dura na questão israelo-palestina.
Em disputa com o ex-parceiro Netanyahu, tem ficado em cima do muro na batalha pela maioria parlamentar. Diante do impasse, Rivlin apelou, nos últimos meses, por um governo amplo, a unir os principais partidos e superar a barreira de 61.
O Likud, de Netanyahu, elegeu 36 deputados, e o Azul e Branco, de Gantz, 33. Somados, formariam base com 69 parlamentares. No sistema político israelense, o presidente reúne funções eminentemente cerimoniais. Coloca-se, muitas vezes, como “pai da nação”, acima do calor das disputas partidárias.
Os apelos de Rivlin, no entanto, se esvaem. Netanyahu e Gantz chegaram a aprovar uma coalizão, mas apresentaram exigências responsáveis por inviabilizar a arquitetura política alcançada em 1984.
Na eleição de julho daquele ano, a bancada do trabalhista Shimon Peres emergiu com 44 cadeiras, contra 41 do Likud, de Yitzhak Shamir. A ameaça do impasse levou o presidente Herzog a alertar para a “ausência de tolerância e do diálogo”.
Apenas dois meses após a votação, Israel contava com um governo de união nacional. Os adversários históricos se uniram, atraíram outras forças políticas e alcançaram a invejável cifra de 97 das 120 cadeiras da Knesset.
Yizthak Shamir, em entrevista sobre a colaboração com Peres, o adversário ideológico, comentou: “Eu não o odiava... Eu via uma guerra de opiniões, uma guerra de pensamentos, não uma guerra pessoal”.
À época, o fantasma da hiperpolarização ainda não havia produzido os resultados nefastos de hoje em dia, ao transformar adversários em inimigos.
Shamir e Peres governaram por quatro anos, em parceria. A coalizão, embora não imune a crises, conseguiu debelar a hiperinflação e lançou reformas econômicas fundamentais para a transformação da Israel em potência tecnológica do século 21.
São lições do passado à disposição dos políticos de hoje.
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